Aos 100 anos, além da obra admirável,a vida de Niemeyer também merece destaque


Além da realização de uma obra extraordinária que há muitos anos já garantiu seu lugar na história da arquitetura mundial (ver GH/665), Oscar Niemeyer, prestes a completar 100 anos, chama a atenção também por uma longa e produtiva vida de trabalho, como bem atesta o depoimento de um integrante de sua equipe de colaboradores:

“Trabalho com Niemeyer há 35 anos e nunca tinha visto uma fase tão criativa, todo dia ele desenha formas nunca vistas, com cada vez menos traços para criar um desenho.”

Jair Valera, arquiteto colaborador

Trata-se, evidentemente, de um prodígio que merece a observação de todos aqueles que não têm a pretensão da simples aposentadoria e do ócio improdutivo e vêem o trabalho criativo como um dos pilares da existência. Um dos aspectos curiosos da vida de Niemeyer é que ele sempre professou a opção política pelo comunismo, mantendo-se com essa crença arraigada mesmo depois da queda do Muro de Berlim e do fim da União Soviética. Por conta disso, o próprio comandante Fidel Castro, seu amigo, teria dito de ambos:

“Niemeyer e eu somos os últimos comunistas deste planeta.”

Fidel Castro

Por conta dessa sua crença, sofreu perseguições durante o regime militar e, embora nunca tenha sido preso, passou um tempo auto-exilado em Paris. Sempre que tem oportunidade, fala sobre a necessidade de mudança da sociedade e sobre a importância do engajamento político.

“Sempre digo aos estudantes: quando a vida se degrada e a esperança sai do coração dos homens, só a revolução. Eles ficam entusiasmados, aplaudem e vão para a praia. Como explicar que cruzar os braços é um problema e que a vida dura só um minuto?”

Oscar Niemeyer

Sua militância política levou-o, certa feita quando o famoso líder comunista Luiz Carlos Prestes foi solto, depois de ter passado 10 anos na cadeia durante o Estado Novo, a entregar a casa onde morava a ele, alegando que a causa do dirigente do PCB era bem mais importante que a sua. Embora tenha trabalhado muito, dedicado sua vida profissional inteira à arquitetura e produzido uma quantidade impressionante de projetos, sempre fez questão de dizer que a vida está em primeiro lugar.

“A vida é mais importante que a arquitetura. A vida é mulher do lado e seja o que Deus quiser.”

Oscar Niemeyer

Nos últimos anos Niemeyer tem acentuado o discurso sobre a brevidade da vida (um aparente paradoxo para quem viveu um século inteiro), sobre a necessidade da conduta responsável diante dela e sobre a importância de ter a consciência tranqüila acerca do que foi feito.

“De modo que a vida é isso: um sopro que passa. E nós devemos ter a certeza de que agimos bem.”

Oscar Niemeyer

Concordemos ou não com as convicções de Niemeyer (hoje em dia há muito mais gente que discorda do que concorda), não podemos deixar de admirar sua obra notável, reconhecer sua importância histórica, respeitar sua coerência ideológica e vê-lo como paradigma de longevidade produtiva e saudável. Um fenômeno profissional e pessoal digno de observação. Talvez o último representante vivo de uma época em que o país parecia ter encontrado seu caminho de prosperidade criativa. Um tempo que deixou saudades.