Desculpe, Max Gehringer mas a vida existe também dentro da empresa

GH 700
Em seu comentário diário na rádio CBN, precisamente o da quarta-feira, dia 09.07.08, o “consultor” Max Gehringer disse o seguinte respondendo a uma ouvinte que se queixava de já trabalhar há vinte anos na mesma empresa:

“As pessoas mais felizes que eu conheço são aquelas que não enxergam o trabalho como a razão de ser de suas vidas mas como uma maneira de conseguir recursos para aproveitar ao máximo a vida fora da empresa.”

Max Gehringer, comentarista da rádio CBN

Sim, é possível concordar com a tese de que o trabalho não deve ser enxergado como a razão de ser da vida. Mas, infelizmente, não dá para concordar com a separação entre trabalho e vida, como se ela só existisse fora da empresa conforme induz a pensar o comentário. Esse tema já foi, inclusive, tratado no GH/446.

“A Psicossociologia, pelas mãos do pensador francês Eugène Henriquez chega, mesmo, a colocar o trabalho como um dos três eixos estruturadores da vida humana, dando-lhe a dimensão da produção. Os outros dois eixos são o amor (o desejo) e a morte (o limite). Ou seja, o que estrutura a nossa ação, ainda que não tenhamos consciência disto, são a certeza do limite e da finitude, o desejo e a transformação produtiva da natureza (o trabalho).”

Gestão Hoje, número 446, 01.09.03

Sem o trabalho, não existe produção humana, nem cultura. Sem o trabalho, a vida é incompleta pois fica faltando a sua dimensão produtiva, a dimensão da realização. A idéia de uma vida sem trabalho ou com um trabalho “mínimo” é um dos grandes equívocos dos tempos atuais. Tempos de justa apologia da qualidade de vida mas de deturpação do princípio, a ponto de, no extremo, tratá-la, como fez Max Gehringer, traduzindo esse sentimento equivocado, como algo “separado” do trabalho que só existe “mesmo” (ou existe mais intensamente) fora dele. Um dos grandes responsáveis por essa confusão é o sociólogo italiano Domenico De Masi, autor do conceito de “ócio criativo”, muito embora, a leitura atenta do que ele diz permita um entendimento correto.

“Não há mais o conceito de tempo livre, tempo só para lazer, só para estudar, ou só para trabalhar, o ócio criativo é um estado mental, você pode estar numa praia paradisíaca mas estimulando a capacidade de ter idéias criativas, que vem se aliar ao trabalho. Não é porque se está fora da empresa que não se pode dar vazão a essa idéia no exato momento em que ela surge.”

Domenico De Masi, JC do Recife, 11.04.04

De Masi defende o conceito de que, no mundo contemporâneo, existe cada vez menos a distinção entre trabalho, estudo e tempo livre (ver, a propósito, o GH/522). Ele chega a afirmar que, para ser feliz, é preciso misturar o trabalho (para produzir riqueza), o estudo (para produzir conhecimento) e o lazer/jogo (para produzir alegria). As três coisas juntas e, não, separadas. Claro que cada uma pode e deve ter o seu espaço/tempo para ser bem exercida. Mas a questão central é que, no mundo contemporâneo, sua separação é artificial porque o trabalho está se transformando, aceleradamente, em uma atividade predominantemente intelectual e, por conta disso, ele passa a ser carregado no cérebro para onde quer que formos. Por isso, separar de forma radical a vida “dentro” e “fora” da empresa é não só inadequado como contraproducente.