Afeto pelo Recife

por Francisco Cunha, sócio da TGI Consultoria em Gestão
Não se cuida com a dedicação necessária, capaz de promover mudanças significativas, daquilo de que não se gosta.
Lendo um livro muito bom sobre o Recife (O Pântano e o Riacho – A formação do espaço público no Recife do século XIX, de Raimundo Arrais) me deparei com um comentário do autor sobre Mário Sette (escritor do clássico Arruar – História Pitoresca do Recife Antigo) que me chamou especial atenção: “O método empregado por esse historiador pitoresco consiste em fazer do afeto (pela cidade) uma força propulsora”.
Eu já tinha tangenciado o assunto poucos números atrás aqui nesta mesma Última Página (É Preciso Querer Bem à Cidade, Algomais 104) mas não tinha chegado à formulação do autor. Sim, com certeza, a questão é do afeto como a força propulsora mais importante para a mudança nas cidades. Não se cuida com a dedicação necessária, capaz de promover mudanças significativas, daquilo de que não se gosta.
No caso do Recife nos dias que correm, isso é ainda mais verdadeiro. A cidade chegou num tal nível de deterioração urbana (a mais engarrafada do Brasil, a décima do mundo, segundo estudos recentes; sem falar das calçadas destruídas, da fiação aérea descontrolada, da destruição da cobertura vegetal e da memória histórica, da degradação dos bairros centrais de Santo Antônio e São José etc, etc, etc.), a despeito dos esforços que têm sido feitos em sentido contrário pela atual administração municipal, de modo que ela só se salvará mesmo pelo afeto dos seus cidadãos (antes de ler o comentário de Raimundo Arrais eu falava de “bem-querer”).
Mário Sette diz o seguinte no seu famoso livro Arruar: “Ver apenas, não! Sentir a cidade. Evocar o seu passado, partilhar do seu presente, sonhar com o seu futuro. Encontrar interesse numa fachada de azulejos, numas pedras de calçamento, num bico de telhado, num cocoruto de mirante, numa cara de transeunte, numa escadaria de igreja, numa jaqueira de muro, num interior de loja, num lampião de esquina… Arruar… Conhecer e recordar. Pisar e querer adivinhar os que já pisaram.”
Relendo isso e puxando um pouco a brasa para minha sardinha de andarilho urbano, posso dizer que o afeto depende também do conhecimento que desenvolvemos sobre a cidade (em relação ao seu passado, seu presente e seu futuro) e só se atinge esse estágio necessário de conhecimento andando a pé. Só de carro, o afeto fica meio fraquinho…
*Artigo publicado na edição 107 da revista Algomais (www.revistaalgomais.com.br)