Um leilão bem sucedido

O Governo Federal concluiu com êxito a maior e mais ousada privatização já ocorrida no país e uma das maiores da história mundial: vendeu em leilão na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro sua participação de 19% no Sistema Telebrás por R$ 22 bilhões, com um ágio de 63,7% sobre o preço mínimo estabelecido. Esse valor somado aos recursos obtidos com as concessões da banda B (R$ 8 bilhões) e com a receita prevista pela venda (que deve acontecer em novembro) dos direitos de concorrência com as empresas privatizadas (para as chamadas “empresas-espelho”), estimada entre R$ 6 e 10 bilhões, o total deve chegar à casa dos R$ 40 bilhões (o dobro do PIB do Uruguai). O que fazer com tanto dinheiro? Investir em infra-estrutura? Investir no social? Não, pagar a dívida pública.

“Não há melhor gasto social hoje do que o Governo pagar sua dívida. É isso que vai permitir que os juros caiam e, assim, que a economia volte a crescer e gerar mais empregos.”

André Lara Rezende, presidente do BNDES, revista Exame, 12.08.98

São esses juros básicos, que o Banco Central baixou um pouco de 21% para 19,7% ao ano, um dia depois do leilão, os responsáveis pelo “credito bancário mais curto e mais caro do mundo civilizado“, segundo Joelmir Betting, funcionando como um verdadeiro garrote financeiro para as empresas.
Essa lógica do Governo estaria perfeita se o déficit público (que faz aumentar a dívida pública e, portanto, que mantém os juros altos) estivesse sob controle e ele não está. No período de 12 meses terminados em maio, início da campanha eleitoral, o déficit nominal do setor público (que inclui as despesas com pagamento de juros) atingiu a casa de cerca de 7% do PIB, sendo R$ 5,9 bilhões só no último mês. Um índice , pelos padrões internacionais, considerado perigoso. Na verdade, insustentável a médio prazo.
Observado sob este prisma, apesar do êxito operacional que obteve, o leilão da Telebrás funcionou como “compra de tempo”. Para o mundo aparece, pelo volume de recursos envolvidos e pela atração que exerce sobre grandes grupos internacionais, como um diferenciador do Brasil frente aos países em crise, favorecendo a manutenção das reservas cambiais, com a entrada de dólares da privatização, e criando uma cortina de fumaça frente ao crescimento do déficit. Internamente, cria um ambiente favorável com a promessa de investimentos, segundo estimativa da ANATEL, por parte das empresas compradoras, da ordem de US$ 100 bilhões em 10 anos, além da triplicação do número de linhas telefônicas e a redução do prazo de instalação para uma semana em 5 anos. Sem falar na pespectiva de atendimento da atual demanda reprimida de 17 milhões de linhas convencionais e 7 milhões de celulares.
Entretanto, a contagem regressiva continua. Para manter a inflação baixa (estimada pela FIPE em 1,5% para 98, a mais baixa da história de São Paulo) e retomar o crescimento econômico, é indispensável que seja feito o chamado ajuste fiscal.

“Como o Governo continua gastando muito mais do que arrecada, sua dívida só não está em trajetória fortemente crescente porque as receitas das privatizações vêm compensando o déficit do setor público. Portanto, é preciso que o déficit caia enquanto ainda existem empresas a serem privatizadas. A urgência para que o ajuste fiscal seja finalmente feito é maior do que nunca.”

Revista Exame, 12.08.98

Isso, sem tirar o olho da conjuntura internacional que continua instável (a Bolsa de Nova York teve a 3ª maior queda diária da sua história na terça-feira 05.08.98).
Apesar do êxito do leilão, tudo continua perigoso como antes. Entretanto, há um consolo nessa história toda: pelo menos de tédio, quem acompanha o movimento da nossa economia, não pode se queixar.

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