“A essência da democracia não é garantir o direito de ser igual, mas o direito de ser diferente.”
Shimon Peres, ex-primeiro ministro e ex-ministro da defesa israelense, a Roberto D’Ávila, Rede Bandeirantes, 1996
O Brasil todo foi às urnas fazer sua 3ª eleição para presidente e 5ª para governador da era pós-regime militar. Importa menos se a abstenção foi grande, se metade dos eleitores não votariam se não fossem obrigados, se a representação política é ruim, se a justiça deixa a desejar (e muito!), se a economia enfrenta grandes incertezas, se a exclusão social é alta e muitos outros “se“.
Essas coisas são graves, não restam dúvidas, porém é também fundamental constatar que, a despeito de tudo, cada eleição que acontece consolida mais o regime democrático no país (como quando se costura mais um ponto numa confecção).
Parece pouco mas não é. Esse enorme país (5ª maior extensão territorial do mundo e a 5ª maior população do planeta), de contrastes tremendos, há cinco séculos se constrói sob a égide do autoritarismo mais ferrenho. Autoritarismo tão entranhado no tecido social que produziu sem alarde, pacientemente, esse subdesenvolvimento tão conhecido que nos deixa, ainda hoje, presos num atoleiro de incertezas.
“Subdesenvolvimento não se improvisa. É obra de séculos.”
Nelson Rodrigues, “Flor de Obsessão”, Companhia das Letras, São Paulo, 1997
A grande nação subdesenvolvida hospeda contrastes e conflitos, hoje de magnitude tal que, se tratados apenas com o nosso velho e tradicional autoritarismo, poderão explodir e fazer voar pedaços de país para tudo quanto é lado. É justamente a garantia institucional do exercício democrático das diferenças, dentro da lei, que permitirá a nossa passagem para o desenvolvimento.
Acontece que, quando se fala de democracia, assim no abstrato, é comum a confusão com anarquia: cada um fazendo o que bem entender, do jeito que quiser. Não! A democracia exige ordem e autoridade (que é muito diferente de força bruta e autoritarismo, mesmo que seja disfarçado de paternalismo…).
As nossas empresas e organizações de um modo geral, sendo partes integrantes de uma sociedade com essas características, reproduzem em graus variados alguns dos sintomas típicos, sem sequer se darem conta. Ocorre que, cada vez mais, o grau de autoritarismo nas empresas é inversamente proporcional à sua capacidade competitiva. Quanto mais autoritária a gestão, menos competitiva a empresa, por uma razão muito simples: as pessoas não se comprometem, ficam passivas (é muito cômodo não ter que decidir) e fazem recair todo ônus do fracasso sobre o gestor autoritário. Resultado: o concorrente que conseguir mobilizar o seu pessoal pelo comprometimento, adquire um diferencial competitivo e, por conseguinte, uma dianteira de mercado difícil de alcançar.
Democracia, portanto, com ordem e autoridade, não é frescura de quem não tem o que fazer, é condição de sobrevivência social e empresarial. Daí, a contradição aparente do título: a condenação à democracia, no bom sentido, é porque não tem outro jeito e porque, pragmaticamente, estamos com nosso destino atado ao dela. O certo é que essa convivência exige um longo aprendizado, cheio de idas e vindas, tanto políticas quanto organizacionais. Um caminho de erros e acertos que requer perseverança gerencial e compromisso social.
“… meu passo vai seguindo no ziguezague de equívocos, de esperanças que malogram mas renascem …”
Carlos Drummond de Andrade, Canto Brasileiro, “Brasil, o Livro dos 500 Anos”, Editora Abril, 1996