O Governo, empurrado pelo mercado e não por vontade própria, trocou uma “aposta” de política econômica (real valorizado e financiado por recursos externos abundantes, até que o ajuste fiscal fosse feito e a âncora cambial pudesse ser trocada pela âncora fiscal) por uma outra “aposta” muito mais exigente em termos de prazo (real desvalorizado, com financiamento monitorado pelo FMI e ajuste fiscal de emergência). Com isso, promoveu a abertura de, pelo menos, três cenários diferentes para a economia e a política do país. Se a “aposta” atual der certo, teremos o cenário da Estabilização Estressada. Se não der certo, abre-se a possibilidade de dois cenários distintos: o da Sarneyzação do Governo ou o da Volta à Estaca Zero em termos da estrutura de controle da política econômica.
1. Estabilização Estressada
Este cenário foi inaugurado com a flutuação do câmbio e até se consolidar vai exigir muito sangue frio, paciência, destreza e determinação, tanto do governo quanto dos demais agentes econômicos. Enquanto o dólar não se estabilizar e os juros não baixarem para níveis suportáveis (e mesmo depois que isto acontecer), a tensão permanecerá alta, com muitos boatos de confisco de poupança, moratória das dívidas interna e externa, volta da inflação, quebradeira de empresas etc. Para que dê certo, o governo terá que fazer no curto prazo, em termos de ajuste fiscal, tudo o que não fez em mais de quatro anos. Além disso, terá que resistir ao overshooting do dólar (subida da cotação muito acima do razoável), recompor mecanismos de administração do câmbio, renegociar o acordo com o FMI, baixar os juros e evitar o descontrole da inflação. Se conseguir, são boas as chances da economia se recompor e voltar a se estabilizar no segundo semestre ou, pelo menos, “entrar no prumo”, por ora perdido. Se não, caímos nos outros cenários.
2. Sarneyzação do Governo
Este é o cenário da deterioração econômica nos moldes do que ocorreu no governo Sarney, depois do fracasso do Plano Cruzado. Quando Fernando Collor assumiu e promoveu o confisco da poupança, a inflação tinha chegado à casa dos 80% ao mês, sob a vigência da política “feijão com arroz”, administrada pelo então ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega. Embora logicamente possível, este é um cenário de difícil concretização porque a volta da inflação retiraria do presidente Fernando Henrique Cardoso o seu principal trunfo eleitoral e ele não resistiria, sem sustentação política, a uma longa exposição (afinal, tem pela frente 47 meses de mandato). Provavelmente, o Congresso aprovaria o parlamentarismo. 3. Volta à Estaca Zero Se a coisa complicar e, dentro do horizonte dos próximos três meses, o cenário 1 não se esboçar com nitidez, o presidente ainda tem capital político para zerar a política econômica, demitir o que resta da equipe original e nomear uma outra, capitaneada por um ministro da Fazenda que tenha credibilidade interna e externa. É aquela história do “olha pessoal, não é nada disso, eu fui mal assessorado, vamos começar de novo com essa turma aqui que é séria….” Trata-se, evidentemente, de um cenário de risco elevado mas talvez seja o que reste ao presidente, antes que perca todo o capital político e as rédeas do processo sejam tomadas pelo Congresso. |
Seja o que for que aconteça, todavia, é fundamental manter a calma. Já somos uma economia suficientemente forte (e formalmente desindexada) para se curvar sem quebrar. Temos instituições políticas funcionando normalmente. Hoje, a estabilidade sem inflação é um valor referendado pela esmagadora maioria da população. Se, por acaso, acontecer algum acidente de percurso e a inflação retornar, vamos eleger alguém que a faça desaparecer de novo, com crescimento econômico. Além disso, apesar do pessoal do FMI ter ficado meio chateado com as mudanças no acordo mal ele tinha sido fechado, não interessa aos EUA que o Brasil quebre. Apesar das dificuldades, que não são poucas, vamos sair da crise. Com esse ou com outro governo. Mas, tem que ser sem histeria e sem alimentar inutilmente o discurso sobre “o horror da crise”.