Uma hipótese radical

Nesses tempos bicudos em que a desestruturação da economia (ainda que, esperamos, temporária) coloca as empresas em situação delicada, vale a pena enunciar, de um modo intencionalmente radical para ajudar na sua defesa, uma hipotese controversa:

A principal coisa que as pessoas buscam, seja no ambiente de trabalho seja fora dele, é atenção.

Sim, dinheiro é importante, condições de trabalho também, mas se o sujeito não se sentir ouvido, considerado, se não se sentir reconhecido e integrado, não se compromete, não se engaja, com a convicção dos que são parceiros, numa causa pela qual valha a pena lutar e, aí então, muito pouco pode ser feito. Isso vale tanto para clientes internos, quanto para clientes externos. Só ficamos realmente satisfeitos com uma compra quando sentimos que fomos adequadamente ouvidos, entendidos, bem tratados pelo vendedor, quando tivemos nosso pedido adequadamente escutado, nosso desejo minimamente considerado em sua singularidade, nossa necessidade satisfatoriamente atendida. Ou, em palavras bem simples: quando sentimos que fomos tratados decentemente.
Por que haveria de ser diferente em se tratando do cliente interno? Guardadas as devidas proporções, enquanto líderes, gerentes ou coordenadores, estamos na posição de vendedores de idéias, de causas, de objetivos tão nobres quanto exigentes como é o caso da sobrevivência da empresa em épocas de crise, do crescimento no mercado, da manutenção da liderança num segmento, da conquista de novos clientes, da construção de um futuro promissor. “Mercadorias” que exigem não só bons argumentos de venda, como muita atenção para com o cliente.
Essa não é uma hipótese ingênua, baseada numa compreensão romântica de que as pessoas são intrinsecamente boas e se forem estimuladas para o bem, todos estarão salvos. A natureza humana está mergulhada em contradições suficientemente profundas para desestimular pensamentos simplificadores. Entretanto, por outro lado, é uma tese que rejeita, de partida, o princípio da “porrada, antes de qualquer coisa”, tão própria de nossa formação histórica e cultural autoritária. É preciso não esquecer a lúcida observação de James Collins (autor do excelente livro “Feitas Para Durar”), reproduzida no C&T 113 (“Para Além da Fiscalização”, página 62 do “Melhor de Conjuntura & Tendências”): “As pessoas não agem impulsionadas pela ameaça. Pessoas nessa situação não colaboram. Elas tendem a ter comportamentos destrutivos“.
Foi o velho Sigmund Freud, um notável “pensador da cultura” (na expressão de Renato Mezan, analista crítico da sua obra), obcecado estudioso da natureza humana, quem cunhou as bases da Psicanálise, na Viena do início do século. E é a Psicanálise que empresta a Eugène Enriquez – psicossociólogo francês, os elementos para a afirmação que ajuda a ilustrar a hipótese de que as pessoas buscam sem cessar atenção:

“Todo ser humano está constantemente dividido (e é esta própria divisão que designa a sua humanidade) entre o reconhecimento de seu desejo e o desejo de reconhecimento (identificação).”

“Da Horda ao Estado – Psicanálise do Vínculo Social”, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1990, pag. 17

Em épocas de crise como a que vivemos, não devemos desperdiçar nenhum recurso na luta pela sobrevivência, principalmente se esses recursos são “internos”e, pelo menos em tese, bem mais “controláveis” que os “externos” (economia, mercado, clientes, concorrentes). Conceder a atenção que as pessoas precisam é um bom começo. Para criar vínculos, sentimento de pertinência e solidariedade, fundamentais para o enfrentamento de crises.

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