Excesso de pessimismo?

A respeito do Conjuntura & Tendências 236, intitulado “Crise de Credibilidade”, alguns leitores manifestaram a opinião de que estava excessivamente pessimista quanto às perspectivas do segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso. Diante dessas avaliações vale a pena alguns comentários.
Em primeiro lugar, é indispensável separar as perspectivas do governo das perspectivas do país. Apesar de todas as gigantescas mazelas desta nação-continente e de sua trôpega caminhada, o Conjuntura & Tendências vem manifestando, desde o seu início, por diversas razões já enumeradas, confiança no futuro e na capacidade do país superar seus entraves históricos e mudar sua trajetória de subdesenvolvimento. Os acontecimentos recentes não mudaram em nada esta convicção. O país é muito maior do que qualquer governo, por pior ou melhor que ele seja.
Em segundo lugar, é de justiça reconhecer, como o C&T nunca deixou de fazer, que Fernando Henrique Cardoso tem o enorme mérito, com o qual já conquistou um lugar na história, de ter provado a um país indexado há mais de uma geração, e já sem esperança depois de várias tentativas atabalhoadas, que é possível ter uma economia estável, onde se possa viver sem inflação. Agora, é de justiça também reconhecer que, justamente por ter sido autor de tal façanha, se esperava mais do(s) seu(s) governo(s) (“muito mais!”, dirão muitos).

“Estabilidade não é um fim” mas “um instrumento (…) cujo objetivo é o futuro da nação.” “Estabilidade e desenvolvimento se completam.”

Mário Covas, governador de São Paulo na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro, Folha de S. Paulo 11.09.99

Ter transformado a estabilidade em fim quando ela é um meio (indispensável, é verdade, mas um meio) para o desenvolvimento tem sido, até agora, o principal pecado dos governos FHC. E não é por irresponsabilidade mas, sim, por incapacidade para conciliar os dois objetivos complementares. Crise após crise o governo tem estreitado sua margem de manobra para recolocar o país no caminho do crescimento econômico sustentado, sem o qual as condições sociais correm o risco de deterioração até o ponto de ruptura.
Há uma espécie de consenso entre os economistas de todas as tendências que o país precisa de um crescimento constante de 7% ao ano para absorver o contingente da população que entra no mercado de trabalho. Fora da bolha pós Plano Real, o crescimento médio anual não tem passado de 2%. Por isso o desemprego tem permanecido elevado e uma parcela significativa da população vai sendo empurrada para o mercado informal e dele para marginalidade, enquanto a criminalidade vai-se ramificando no tecido social a ponto de comprometer a segurança cotidiana de todos os cidadãos, independente da classe social a que pertençam.
Estabilidade, sim. Realismo fiscal, sim. Mas crescimento econômico e desenvolvimento, também sim. Como fazer isso? Bem, é este, justamente, o problema cuja a falta de solução está complicando o governo. Afinal, o presidente foi eleito e reeleito porque prometeu manter a estabilidade e recolocar o país no rumo do desenvolvimento sustentado. Está sendo cobrado porque só tem conseguido entregar metade do que vendeu. Pessimismo? Talvez, mas baseado na trajetória do governo até agora. Pode reverter o resultado? Pode, mas a cada dia vai ficando mais difícil. Para vender o “cheirinho” (ver o C&T anterior), é preciso ter o “bife” completo para entregar. Sem isso, a cobrança, e não o bife, vem, como tem vindo, a cavalo.

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