500 anos de tropeços

Praticamente todas as pessoas, quando perguntadas sobre que balanço fazem do Brasil no momento da celebração dos seus 500 anos, destacam o quanto falta para darmos certo como nação. Nos depoimentos televisivos, nas entrevistas, nos artigos, nos jornais e revistas ou, mesmo, na conversa descontraída, é visível o traço comum das opiniões: um quê de desencanto e, até, perplexidade. Como um país com tanto potencial, tantas coisas boas, pôde dar no que deu? Uma das nações mais injustas do mundo.
Darcy Ribeiro, o apaixonado antropólogo e educador brasileiro, escreveu um simpático e muito bem ilustrado livro, editado em 1985, chamado “Aos Trancos e Barrancos – Como o Brasil Deu no Que Deu“(Editora Guanabara), em cuja introdução diz:

“No dia em que todo brasileiro comer todo dia, quando toda criança tiver um primeiro grau completo, quando cada homem e mulher encontrar um emprego estável em que possa progredir, se edificará aqui a civilização mais bela desse mundo.”

Darcy Ribeiro

Ele conclui que isso (que chama de “utopiazinha nossa”) “é tão fácil”! Realmente, se comparado com os desafios de outras nações do mesmo “top”do Brasil, parece menos difícil (é o caso de China, Ã?ndia, Indonésia e Rússia que, como nós, encontram-se a meio caminho do desenvolvimento e sinalizam como potências emergentes no século 21, segundo estudos do Banco Mundial).
Todavia, a história dos 500 anos foi a crônica de como não foi possível construir um país minimamente justo. De como foram desperdiçadas oportunidades sucessivas. De como o país foi, aos tropeços, montando os alicerces do que é hoje: palco da pior distribuição de renda do planeta, com um contingente de 1/3 da população constituída de pobres e miseráveis, uma situação social próxima do descontrole.
Temos contabilizados 300 anos de colonização (puramente extrativista), 400 anos de escravatura (o Brasil foi o último país a aboli-la) e 500 anos de autoritarismo (do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”). Nelson Rodrigues, o genial dramaturgo e arguto cronista da nossa sociedade disse, numa síntese memorável a respeito do Brasil: “subdesenvolvimento não se improvisa, é obra de séculos.”
É um patrimônio negativo e tanto, esse que temos. Um passivo difícil de enfrentar mas inevitável. Como se pode trabalhar e produzir com competência e qualidade com esse barulho todo que a sociedade desajustada faz? Como suportar a insegurança ante o risco de ser assaltado ou, se consegue ter um pouco mais de dinheiro, ser até seqüestrado (com a nova modalidade “relâmpago”, inclusive)? Como conviver com os índices crescentes de violência, muitas vezes gratuita? Que sociedade é essa que não permite andar com um mínimo de sossego na rua (seja a pé, de coletivo ou de automóvel)? Não dá para ficar impávido.
É raro aquele que ouvindo uma mera execução do hino nacional não se emocione. Uma simples reprodução de “Aquarela do Brasil”, dependendo do momento, pode levar o sujeito quase às lágrimas. Por que? Certamente porque somos uma gente sentimental e potencialmente solidária, que se preocupa emocionalmente com o destino do seu país, “continente a caminhar.” Não adianta, portanto, mostrar-se indiferente. Não somos. Não podemos. E não adianta, também, só reclamar do governo. Por melhor que possa ser, não consegue mais resolver a parada sozinho. Precisa da ajuda da sociedade organizada, das empresas e de todos. Mudar esse país injusto é o principal desafio que temos no limiar do próximo século. E vamos conseguir. Basta querer e saber que quer. Aí, pode.

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