Em 1983, época em que ainda imperava a guerra fria, foi lançado um filme com o título de “The Day After”, direção de Nicholas Meyer, com Jason Robards (falecido em dezembro passado) no elenco.
Era um filme de qualidade mediana, desses de temporada, sem maiores atrativos artísticos. Todavia, tinha uma característica interessante: tratava do dia seguinte ao tão temido bombardeio nuclear (a pior coisa que poderia acontecer, naquele tempo, em termos de ameaça global).
Esse filme serve de metáfora para uma coisa muito importante, tanto do ponto de vista pessoal quanto organizacional: a necessidade imprescindível de se pensar detalhadamente no dia seguinte ao da materialização da pior hipótese.
Essa atitude vai além daquela, também importantíssima, expressa pelo lema dos escoteiros “sempre alerta” e tão bem dita pelo frasista genial Millôr Fernandes na sua coluna deste domingo, 07.01.2001:
“O importante é você acordar todo dia preparado para um ameaçador não sei o quê.”
Millôr Fernandes, humorista brasileiro.
Pensar detalhada e exaustivamente no day after é um recurso fundamental para combater a paralisia resultante do medo de que o pior aconteça. Um tipo de medo capaz de deixar a pessoa e a própria organização de “farol baixo”, sem coragem de ligar o “farol alto” para ver o que pode acontecer mais à frente.
Essa atitude é muito mais freqüente do que pode parecer à primeira vista. É impressionante como é comum pessoas e empresas, com desenvolvida capacidade de raciocínio estratégico, ficarem presas num círculo de giz, perdendo inúmeras oportunidades de avançar por medo de que o pior possa lhes acontecer. E, por ironia do destino, terminam sendo, de fato, “abalroadas” pelo pior. É por isso que o Gestão Hoje Conjuntura & Tendências, apesar de já ter tratado de temas semelhantes em pelo menos três ocasiões (ver números 188, 209 e 235), volta mais uma vez ao assunto: por sua incidência quase epidêmica.
Hipótese ilustrativa individual: um técnico competente, por dificuldade de relacionamento com um diretor da empresa em que trabalha, fica com tanto receio de ser demitido que evita discutir com ele uma situação difícil e comete um erro de decisão (provocado, paradoxalmente, pelo excesso de zelo “cego”) que termina gerando o motivo de sua demissão.
Hipótese ilustrativa empresarial: uma indústria bem sucedida, zelosa pela qualidade dos seus produtos e inovadora, por vicissitudes do mercado em que atua, se vê, em determinado momento da sua história, excessivamente dependente de um cliente. Tem tanto receio de perdê-lo que se submete a uma inadequada negociação de preços, gerando problemas de custos, dificuldades com fornecedores, perda da qualidade com o produto. Acontece, por fim, o pior: perde o cliente.
Em ambos os casos, o mesmo erro. Se o profissional tivesse pensado com calma e mais profundamente no dia seguinte de sua demissão teria podido levantar alternativas que o deixariam mais seguro e, provavelmente, mais “tranqüilo” para, inclusive, negociar melhores condições de permanência no emprego. Se a indústria tivesse pensado aprofundadamente no dia seguinte sem o seu maior cliente teria, sem sombra de dúvidas, procurado, logo, outros clientes para diminuir a fragilidade de depender demais de um só, por melhor e mais lucrativo que ele pudesse ser.
Pensar no pior é, por mais estranho que pareça, a melhor maneira de evitar que ele aconteça.