A responsabilidade começa ase estabelecer como valor no Brasil

 
No embalo da comemoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil pelos portugueses, o jornalista Eduardo Bueno escreveu uma trilogia de livros interessantíssimos sobre os anos pré e pós Cabral. Compõem a Coleção Terra Brasilis da editora Objetiva: (1) A Viagem do Descobrimento; (2) Náufragos, Traficantes e Degredados; e (3) Capitães do Brasil.
De leitura fácil e cativante, quase romanceados, os livros contam, de forma bastante didática, o que aconteceu nesses anos decisivos de nossa formação. No terceiro livro (Capitães do Brasil – A Saga dos Primeiros Colonizadores), o autor escreve o seguinte:

“Não restam dúvidas de que, desde o momento de seu desembarque, tanto os donatários quanto seus colonos visavam ao lucro imediato. O principal – e quase único – objetivo da maioria era enriquecer o mais rápida e facilmente possível e retornar para Portugal. Nesse sentido, os homens que os donatários trouxeram para ocupar suas terras não eram ‘colonos’ no sentido literal da palavra: eram conquistadores dispostos a saquear as riquezas da terra…”

Eduardo Bueno, jornalista e escritor brasileiro

Esse comportamento e essa forma de ver o país, como não poderia deixar de ser, ficaram profundamente arraigados e se reproduzem ao longo das gerações que se sucederam formando, ainda hoje, uma espécie de padrão de relação das pessoas para com o que é comum, coletivo, não particular. Esse espírito é um empecilho sério à prática de qualquer tipo de solidariedade ou responsabilidade coletiva pois exacerba o individualismo e a irresponsabilidade social.
É, justamente, nesse ponto que reside a nossa principal diferença com os EUA. Embora praticamente da mesma idade que nós, o povo de lá foi formado por pioneiros que foram, de fato, colonizar a nova terra, já que não tinham esperança de voltar para a terra matriz, expulsos que foram por disputas religiosas.
Só agora, quinhentos anos depois e, mais especificamente, após a restauração do regime democrático nos anos 80, é que a questão da responsabilidade e das práticas sociais mais solidárias começam a tomar corpo e se consolidarem no país.
Exemplo marcante disso é o movimento da responsabilidade social que começa a ganhar uma grande força entre as empresas no país (ver a respeito o número 244).
Outro exemplo mais recente é o da promulgação da Lei da Responsabilidade Fiscal, um grande passo no sentido da moralização das práticas públicas no país.
Além desses, podem ser citados os seguintes exemplos de avanços mais ou mesmos recentes: Código de Defesa do Consumidor (com o efetivo funcionamento dos Procons); o novo Código Nacional de Trânsito (com a efetivação das punições e a diminuição das vítimas).
Não deve haver ilusão quanto à rapidez desse processo. Uma herança histórica tão pesada não se desfaz como que por encanto. O processo, como a famosa abertura política do falecido presidente Ernesto Geisel, é lento e gradual mas seguro. A sociedade avança a passos lentos mas avança. Ao contrário do que geralmente acontecia antes, essas leis têm “pegado”, começam a ser praticadas e, mais importante, valorizadas. Isso é um bom sinal.

“Uma sociedade na qual algumas leis ‘pegam’, outras não, pode pretender tudo, menos construir uma nação organizada.”

Mário Henrique Simonsen, economista brasileiro.

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