Caetano Veloso no seu mais recente CD, “Noites do Norte”, apresenta na Segunda faixa uma surpreendente versão musicada de um belo texto do abolicionista Joaquim Nabuco, falando sobre a herança que a escravidão deixou para o paÃs.
âA escravidão permanecerá por muito tempo como a caracterÃstica nacional do Brasil. Ela espalhou por nossas vastas solidões uma grande suavidade; seu contato foi a primeira forma que recebeu a natureza virgem do paÃs, e foi a que ele guardou; ela povoou-o como se fosse uma religião natural e viva, com seus mitos, suas legendas, seus encantamentos; insuflou-lhe sua alma infantil, suas tristezas sem pesar, suas lágrimas sem amargor, seu silêncio sem concentração, suas alegrias sem causa, sua felicidade sem dia seguinte… à ela o suspiro indefinÃvel que exalam ao luar as nossas noites do norte.â?
Joaquim Nabuco, 1849-1910, diplomata brasileiro
Na época do carnaval é que essa caracterÃstica se apresenta de forma mais eloqüente pelas ruas do paÃs. Seja pela caracterÃstica mestiça da nossa sociedade, manifestando-se de forma inequÃvoca, seja pelo grande potencial de criatividade, liberado sem censura (ou, pelo menos, com menos censura).
Essas caracterÃsticas peculiarÃssimas é que fazem do Brasil um paÃs cada vez mais reconhecido como singular, local de manifestações culturais absolutamente originais e de uma qualidade artÃstica que já se apresenta como a mais desenvolvida do planeta em muitos aspectos, sobretudo na música.
“O Brasil é o paÃs musicalmente mais rico do mundo.”
HermÃnio Bello de Carvalho, compositor brasileiro
No carnaval, então, essa particularidade pode ser bem observada na variedade de ritmos, batuques, danças e coreografias, para todos os gostos e necessidades. à essa manifestação de pujança e variedade que vale a pena observar, tanto quanto possÃvel, com o olhar de quem está presenciando uma formação em curso, “um continente a caminhar”, como no verso da velha música de David Nasser. Sem ufanismos, mas também sem o pessimismo que cega. Como quem olha um fenômeno único e provocante, segundo a exortação de Darcy Ribeiro (no livro “O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil”, Companhia das Letras, São Paulo, 1995):
“O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também por sua criatividade artÃstica e cultural (…) Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. Melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa provÃncia da terra.”
Darcy Ribeiro, 1922-1997, antropólogo brasileiro
Uma oportunidade de “abrir uma janela” na mesmice do dia-a-dia e vislumbrar um pouco do paÃs possÃvel, com um olhar caloroso e criativo. Como o próprio carnaval…