A crise política e oavanço da democracia no Brasil

 
“Não adiantou nada todo aquele esforço para a cassação de Collor. Quase dez anos depois, estamos de novo na estaca zero com essa história da violação do painel do Senado e da roubalheira na Sudam.” Esse pensamento, expresso em frases diversas pelos quatro cantos do país, parece dominar o diálogo sobre o mais novo escândalo político nacional.
Será mesmo verdade que nada mudou? O país estará no mesmo patamar de uma década atrás? Ou será que a crise atual é uma evidência de que estamos no meio de uma mudança que ainda não mostra com clareza os seus verdadeiros contornos? O ex-ministro da Fazenda e atual secretário geral da UNCTAD – Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, Rubens Ricúpero, em seu livro “O Ponto Ótimo da Crise” (Editora Revan, Rio de Janeiro, 1998) cita o revolucionário italiano Gramsci para ilustrar a questão da mudança.

” A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo não consegue nascer; nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparecem.”

Antonio Gramsci, 1891-1937, em “Cartas da Prisão”

Sem precisar ir tão longe, aqui entre nós, o deputado “verde” pelo estado do Rio de Janeiro, Antonio Gabeira, é autor de uma frase de teor semelhante que ilustra bem a questão.

“No caos está contido o germe de uma nova ordem.”

Antonio Gabeira, deputado federal, PV-RJ

Essa parece ser a questão relevante: no aparente “caos”, é possível, com um esforço de “apurar” a visão, vislumbrar sinais de mudança, ainda que imprecisos, se compararmos à situação de dez anos atrás. O professor de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Denis Rosenfield, em recente entrevista na Folha de São Paulo (22.04.2001), lança algumas luzes sobre o assunto.

“Há uma crise estrutural no modo de se fazer política no Brasil. (…) O governo FHC, com seus problemas e tropeços, levou a cabo um processo de modernização de nosso país. Estas modificações foram feitas recorrendo aos métodos tradicionais da política brasileira, onde a exigência de moralidade não era prioritária. Ou seja, o governo FHC para modernizar o país usou de velhos instrumentos. O impasse que estamos vivendo consiste em que o ‘velho’ e o ‘novo’ coexistem, de certa maneira, nos mesmos personagens e partidos políticos.”

Denis Rosenfield, professor de filosofia, UFRS

Um modo danoso de fazer política, cultivado com afinco e impunidade durante séculos, não muda em anos. O tempo para isso deve ser medido em décadas. A diferença perceptível é que, antes, essas coisas todas aconteciam mas não apareciam. Hoje, podem vir à luz do dia sem que o mundo se acabe, enquanto a sociedade começa a usar, com empenho crescente, os mecanismos para fazer pressão pelas mudanças desejadas.

“… as instituições democráticas, republicanas, estão mostrando vitalidade e regram os conflitos e contradições em curso. Os escândalos são uma mostra de força da democracia brasileira. O que distingue a situação atual das anteriores é que os problemas aparecem, são discutidos. Quando a sujeira sai para a rua se pode limpá-la.”

Denis Rosenfield

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