Sai a CPI,entra o "apagão"


Ainda às voltas com a instabilidade da economia argentina, a economia brasileira viu-se impactada por dois fatos marcantes na semana passada: o alarido em torno da CPI da Corrupção e o espanto decorrente da constatação da inevitabilidade do racionamento de energia elétrica nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste do país.
No que diz respeito à economia argentina, o tropel até agora desordenado do Ministro Cavallo continua influenciando negativamente as expectativas do mercado e forçando a elevação dos juros e do dólar no Brasil. Espera-se que a renegociação da dívida seja bem sucedia e as coisas comecem a entrar nos eixos.
Do ponto de vista político, as emoções se concentraram na tentativa das oposições de instalar uma CPI mista (Câmara e Senado) no Congresso sobre a corrupção no governo. Diante do perigo real de ver-se paralisado pela antecipação da campanha eleitoral, o governo usou sua mão pesada e abortou a iniciativa. Fez o que qualquer governo, em qualquer lugar do mundo, faria, mas deixou, mais uma vez, seqüelas importantes.

“Fernando Henrique escolheu sustentar-se sobre dois pilares na aparência contraditórios. Primeiro: propôs-se a transformar o Brasil. Segundo: decidiu fazê-lo respeitando e cultivando o Brasil tradicional. (…) O resultado, vistas as coisas da perspectiva de hoje, é que, se em algumas coisas seu governo transformou o Brasil, em outras o tornou ainda mais igual a si mesmo.”

Roberto Pompeu de Toledo, Veja, 02.05.2001

Passada a emoção da CPI e arrefecido temporariamente o ânimo da crise política sobre os humores dos mercados, um outro fator surgiu com todo o vigor: o inacreditável racionamento de energia elétrica.
O Brasil tem 97% do seu consumo de energia dependente de hidrelétricas e passou, na década de 90, por um aumento de 50% da demanda contra, apenas, 35% de aumento da capacidade instalada, com queda de quase 50% dos investimentos. Isso, acrescido pelo enfrentamento, no último verão, do pior regime de chuvas dos últimos 70 anos, produziu o descalabro que vemos assombrados hoje: os reservatórios sem capacidade para chegar até o próximo período de chuvas. Faltando água, faltará energia. Solução: racionamento compulsório de, no mínimo, 20%. Uma calamidade.
As conseqüências econômicas não são fáceis de prever. Segundo a FGV, pode haver queda de até um ponto percentual no crescimento do PIB (equivalente à quebra da Argentina), sem falar no aumento do déficit comercial e do desemprego, além da queda na arrecadação.
Seja qual for a justificativa que o governo dê para o erro que cometeu, não há desculpa possível de ser aceita. Se as conseqüências econômicas são incertas, as políticas podem ser devastadoras. Imagine-se a quantidade infinita de xingamentos dirigidos diretamente ao presidente no momento de um “apagão” ou diante de uma multa salgada pelo consumo superior a 80% da média do último ano…
Não parece haver dúvidas de que todo o ônus dessa situação inacreditável recairá diretamente sobre o presidente da República. Ele é o chefe supremo da nação e como lembra o ensaísta Tzvetan Todorov no livro (traduzido do original francês) “Em Face do Extremo” (Papirus Editora, São Paulo, 1995), apontando para o sentido da responsabilidade na política:

“… um chefe responde pela vida e pelo bem estar daqueles que comanda…”

Tzvetan Todorov

Tudo pode ser perdoado, menos a irresponsabilidade. Se o racionamento for do tamanho do projetado, fará mais estrago do que dez CPIs simultâneas.

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