Lições da crise:nunca deixe de ter um plano B

 
A crise de energia, favorecida certamente pela surpresa de sua eclosão, tem proporcionado algumas lições sobre gestão que vale a pena comentar.
A primeira delas, tratada no número 327, refere-se à absoluta inadequação do presidente ter dito que foi “surpreendido” pela gravidade do problema. Presidente nenhum pode dizer uma coisa dessa natureza quando ameaça aqueles a quem seus atos afetam; presidir significa ser responsável e, portanto, tal omissão é indesculpável. Descuidar de um aspecto que é tão crucial para a economia do país é como preparar tudo para uma viagem e esquecer de verificar se a gasolina vai dar. Inadmissível, particularmente se impede a viagem de outros. Depois, não cola a desculpa de que “não me avisaram”.
Outra lição importante é de que não se pode deixar de ter, sempre, um plano alternativo para o caso de inviabilizar-se aquele que estamos seguindo, ao encontrar um obstáculo intransponível. Nesse particular, vale a máxima adotada por quem é responsável pelo funcionamento de sistemas críticos: “quem tem um não tem nenhum; quem tem dois, tem um“.
No caso da crise energética, o governo não podia depender apenas da torcida para que chovesse o suficiente para manter o nível dos reservatórios acima dos limites críticos. As estatísticas dos últimos 5 anos não deixam nenhuma margem de dúvida de que a imprudência foi grande. Nos anos que vão de 1997 a 2000, sempre no mês de abril (de pico), os níveis de armazenamento eram, respectivamente, 94,5%, 84,1%, 71, 2% e 57,4%. Em 2001, no mesmo mês, o nível médio estava em 32,2%. Só aí, o governo despertou para o risco do apagão. A imprudência tomou forma de irresponsabilidade.
Maria Sílvia Bastos Marques, presidente da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), em entrevista à Folha de S. Paulo foi muito clara:

“Todo mundo (…) acreditou que ia conseguir resolver o problema com as chuvas (…) clima a gente não costuma controlar. Até por conta disso, tínhamos que ter um plano B.”

Maria Sílvia Bastos Marques, presidente da CSN

Alguém pode dizer que, nesse caso, o governo tinha um plano B: a construção de mais de 40 termelétricas movidas a gás para atender a demanda crescente de energia, já que os investimentos para implantação de hidrelétricas têm prazos de maturação muito maiores.
De fato, isso pode, com um pouco de boa vontade, ser considerado um arremedo de plano B para o caso de a média histórica de precipitações não ser retomada nos anos seguintes. Se for assim, a questão passa do planejamento para a implantação: dessas mais de 40 usinas termelétricas, hoje, só duas estão em início de construção; as demais estão paralisadas por conta de indefinições governamentais em relação aos preços do gás natural.
O verdadeiro plano B, todavia, teria que ter sido deflagrado em 1999 quando foi verificada a tendência de queda. Se o racionamento tivesse se iniciado lá não estaríamos, agora, à beira de um colapso, com o crescimento econômico irremediavelmente comprometido. Pela adesão da população às medidas de racionamento, com metas tão altas, verifica-se que seria perfeitamente possível ter sido estabelecido um objetivo de economizar 10%. Mas certamente não cairia bem para os candidatos a prefeito apoiados pelo governo federal…
Essa constatação remete a outra: é imprescindível ter um plano B mas isso só não basta. É indispensável ter também coragem para implementá-lo. Mesmo que causasse alguns dissabores, não estaríamos, agora, em situação tão crítica.
Planejamento eficaz e execução conseqüente ainda são as melhores armas para prevenir e enfrentar crises.

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