Lições da crise 3:procurando driblar a Lei de Murphy

 

“Se alguma coisa pode dar errado, dará.”

Lei de Murphy

Conta a lenda que Edward A. Murphy, Jr. era capitão engenheiro da Força Aérea dos EUA e participava, em 1949, de testes sobre os efeitos da desaceleração rápida em pilotos de aeronaves. Para isso, construiu um equipamento que media os batimentos cardíacos e a respiração dos pilotos. Certo dia, chamado para consertar um defeito no aparelho, constatou que, embora só existissem duas maneiras (uma certa e outra errada) de fazer a coisa, todos os 16 sensores fixados no corpo do piloto de provas foram colocados da maneira errada. Então, formulou a sua famosa lei que, na versão original (segundo Priscila Arida Velloso, no livro “Oh! Dúvida Cruel- 222 Perguntas que Inquietam a Humanidade”, Editora Record, São Paulo, 2000), tinha o seguinte enunciado: “se há duas ou mais maneiras de fazer alguma coisa e uma delas pode resultar em catástrofe, alguém o fará desta maneira“.
Divulgada semanas depois numa conferência de imprensa pelo major John Paul Stapp, chefe do projeto no qual trabalhava Murphy, a lei ganhou o mundo e passou a ser aplicada a um sem número de casos, tomando as mais variadas formas, desdobrando-se em princípios, corolários e axiomas os mais diversos. Um verdadeiro fenômeno de propagação de um conceito que confirma a frase:

“Mais forte do que todos os exércitos do mundo é uma idéia cuja hora tenha chegado.”

Victor Hugo, 1802-1885, escritor francês

Pois bem, no recente episódio que redundou no racionamento de energia, o governo desconsiderou completamente a Lei de Murphy. Depois de anos de crescimento econômico modesto, para não dizer medíocre, 2001 se apresentava como o mais promissor da série, projetando um índice recorde. As preocupações voltaram-se para os entraves externos e o verdadeiro entrave, interno, foi desconsiderado. Como alguém que se prepara para uma viagem de carro e se esquece de verificar se há combustível suficiente, o governo deu-se conta, atônito, que não havia energia para o crescimento.
Depois da Lei de Murphy aplicada, aparece com clareza a seqüência de fatos que levou ao caos. Na raiz do problema, o acordo com o FMI que considera o investimento das empresas públicas, inclusive as geradoras de energia, como gasto e componente do déficit público. Ao tentar privatizar as geradoras e repassar as responsabilidades pelo investimento na geração para os novos proprietários, o governo terminou produzindo um modelo confuso que teve que ser remendado pelo Congresso. Enquanto isso, o tempo foi passando e com a demanda de energia crescendo sempre acima do PIB, a falta de investimentos levou à utilização da água represada nos reservatórios, com a diminuição progressiva, ano a ano, dos seus níveis.
Resultado: ao atravessar um período crítico de chuvas (desde 1997 que o total das precipitações pluviométricas é decrescente), acontece o indesejável: não há mais água para garantir a geração capaz de atender a demanda.
Com tantos fatores intervenientes e tantas chances das coisas darem erradas, pode-se deduzir, agora, que era inevitável a aplicação da temível lei. Apesar disso, todavia, ninguém previu. Nenhum desses profetas do passado que estão ocupando as páginas dos jornais dizendo que avisaram apareceu no tempo certo para fazer o alerta correto, nem mesmo os técnicos do setor que tinham a responsabilidade profissional de fazê-lo.
Resta aprender com a lição. Essa crise é didática, justamente porque permite aprender com os erros cometidos. Quem quiser ter êxito numa empreitada qualquer, tem que ser obsessivo na precaução contra a Lei de Murphy.

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