Espírito de aventura versus trabalho sistemático

 
No embalo da passagem do dia consagrado à comemoração da Independência do Brasil, vale uma reflexão sobre uma questão histórica intrigante: por que os Estados Unidos da América, mesmo tendo sua formação iniciada com quase um século de atraso em relação ao Brasil, é tão mais economicamente desenvolvido que nós?
José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas, atualmente sócio-diretor da MCM Consultoria Econômica, no seu excelente livro “Os Parceiros do Rei-Herança Cultural e Desenvolvimento Econômico no Brasil” (Topbooks Editora, Rio de Janeiro, 1995), é taxativo na resposta a essa questão:

“…os colonizadores da América estavam dispostos a fundar uma nova pátria. Tinham a visão de longo prazo. Criaram leis e instituições próprias, capazes de assegurar o bom desempenho da atividade econômica, entregue sempre à iniciativa privada. No Brasil, desde os primeiros momentos, faltou justamente a ótica de longo prazo. O imediatismo dominou, constituindo a tônica de todo o sistema de colonização, deixando marcas difíceis de apagar. O português que aqui chegava vinha sozinho, sem família, e pensava apenas em fazer fortuna em tempo curto, para que logo fosse possível o retorno à terra de origem. Em função disso, inexistia interesse na construção de alicerces suficientemente sólidos…â€?

José Júlio Senna

De fato, talvez a explicação esteja justamente nessa espécie de “defeito” de nascença que impediu a construção de alicerces socialmente sólidos: quem foi para América do Norte foi para ficar. Famílias inteiras, praticamente expulsas da Inglaterra por razões religiosas (os “puritanos” pretendiam purificar a religião anglicana e, por isso, não eram bem vistos pelas autoridades). Foi um movimento sem volta.
Já para o Brasil, vieram homens movidos pelo espírito de conquista e aventura, sem mulheres. Daí o fato de sermos hoje, talvez, a nação mais miscigenada do mundo. (A propósito, estudos do geneticista Sérgio Danilo Pena, da Universidade de Minas Gerais, dão conta de que 98% da ascendência paterna do brasileiro é européia, enquanto nada menos que 33% da nossa linhagem materna é ameríndia e 28% africana. Ou seja, somos quase exclusivamente descendentes de pais europeus, predominantemente portugueses, e majoritariamente – 61% – descendentes de mães índias ou negras.)
Esse espírito aventureiro introduzido pelo colonizador se, por um lado, nos empurrou para a frente, fazendo avançar nossas fronteiras a ponto de nos legar o quinto mais vasto território do mundo, por outro, não nos permitiu a construção, pela falta de dedicação ao trabalho sistemático, de uma cultura mais compatível com o progresso econômico duradouro. Faltou-nos, historicamente, construir, além da já citada visão de longo prazo, segundo José Júlio Senna:

“…o interesse por uma sólida formação de recursos humanos; o gosto do trabalho regular; a diluição do poder, tanto no campo político, quanto no terreno econômico; um grau maior de integração com a comunidade…â€?

José Júlio Senna

O resultado dessa defeituosa construção histórica é uma exigência maior no presente, tanto do ponto macro (social), quanto do ponto de vista micro (empresarial). Como História não é fatalidade, cabe-nos o desafio cotidiano de, consciente da herança adversa, trabalhar para superá-la e construir organizações e empresas regidas pela ética do trabalho e, com isso, uma sociedade menos injusta porque menos aventureira.

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