Para enfrentar a violência e ocrime organizado é preciso audácia

 
O lado que se pode ver de positivo em toda essa evidência da falta de segurança em que vivem as populações das grandes cidades no Brasil é o avanço da consciência social acerca da gravidade e da complexidade do problema.
Proposições simplistas que têm mais características de palavras de ordem como “colocar a polícia na rua” ou “combater a miséria para acabar com a violência” não são mais suficientes para “resolver” o debate sobre o assunto.
Vai ficando cada vez mais evidente que a violência e o desrespeito à lei são traços históricos de uma sociedade profundamente autoritária como a brasileira e não podem ser resolvidos com atitudes voluntaristas por mais bem intencionadas que sejam.
A “resolução” do problema requer uma série de medidas de curto, médio e longo prazos que passam necessariamente, como foi destacado no Gestão Hoje anterior (número 363), pela reformulação, pelo aparelhamento e pela valorização das polícias (remuneração compatível, apoio aos bons policiais etc.) e pela política ativa de inclusão social dos 53 milhões de pessoas que estão abaixo da linha de pobreza no país.
Além disso, existem mais dois aspectos que não podem deixar de ser considerados pela importância que têm para o agravamento da situação: (1) a ausência do estado e a sua substituição por poderes paralelos em extensas áreas das grandes cidades; e (2) a impunidade que torna a relação custo/benefício favorável à prática do crime.
Com todos esses ingredientes faz-se uma mistura explosiva: uma sociedade onde a violência, a corrupção e o desrespeito pela vida são históricos, a miséria é endêmica, a polícia e a justiça não funcionam, o estado é fraco e ausente e a punição aos crimes praticamente inexiste.
Um acontecimento na semana passada ilustra bem esse estado anacrônico de coisas. Os moradores do morro do Querosene no Rio de Janeiro fizeram uma manifestação violenta, inclusive com bloqueio de ruas e queima de carros e ônibus, protestando contra o “seqüestro”  pela polícia (seguido de um pedido de “resgate” de R$ 500 mil) de um traficante, “benfeitor” da localidade.
O fato de traficantes tornarem-se benfeitores de comunidades é uma prova mais do que evidente da ausência do poder público e da falência do estado na área. A “lei” é estabelecida e aplicada pelo crime organizado que atua impunemente e sem ser molestado. A situação na Colômbia começou assim.
A juíza aposentada Denise Frossard, com a autoridade de quem condenou à prisão, de uma só vez em 1993, 14 chefes do crime organizado no Rio de Janeiro, em artigo na Folha de S. Paulo é bastante enfática:

“Apenas 20% dos crimes são levados ao conhecimento da polícia, em razão da descrença da população nas suas instituições. A noção da impunidade agrega maior valor econômico ao crime. Há alguém capaz de duvidar disso? A impunidade torna a atividade criminosa altamente lucrativa.”

Denise Frossard, juíza carioca aposentada

A doutora Denise frisa com muita propriedade que para enfrentar esse problema nas proporções a que chegou é preciso mudanças legislativas e processuais de grande envergadura que só podem ser levadas adiante com medidas corajosas como as tomadas na Itália pela “operação mãos limpas” que derrotou a quase indestrutível “Cosa Nostra”, a máfia italiana. Termina o seu artigo com essa conclamação:

“O momento exige que ‘os homens de bem tenham a audácia dos canalhas’, como disse Benjamin Disraeli.”

Denise Frossard

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