Diz a sabedoria popular que, pelo menos no Brasil, toda conversa que envolva política, religião ou futebol está fadada a virar discussão e, quase sempre, briga. Todavia, mesmo correndo o risco, o Gestão Hoje, sente-se compelido a entrar na polêmica da convocação de Romário para a seleção brasileira.
Não pelo aspecto técnico ou futebolístico propriamente dito, mas pelo que o episódio tem de didático sobre a eterna contradição individual x coletivo na organização e, no que diz mais respeito à gestão, sobre a relação gerente (no caso o técnico) x equipe.
A julgar pelo que dizem as resenhas, 70% da população é favorável à convocação do jogador e até o presidente Fernando Henrique Cardoso, de olho por certo em sua popularidade, declarou-se favorável. (A propósito, o técnico Felipe Scolari, respondeu muito bem a essa indevida intromissão presidencial dizendo que, num país de 170 milhões de técnicos, a opinião do presidente era apenas mais uma…).
A aparente razão principal por que é tão grande o clamor pela convocação do jogador é, com certeza, o inegável talento que o coloca na galeria dos grandes craques goleadores do futebol brasileiro. Até aí, tudo bem, sobretudo numa época de tão baixa auto-estima da seleção brasileira.
Todavia, esse talento excepcional termina por suplantar uma característica deletéria da personalidade do jogador que é o seu individualismo extremado. Todos sabemos, embora em alguns casos achemos melhor esquecer, que individualismo em excesso não combina com trabalho em equipe, sobretudo em se tratando de um esporte essencialmente coletivo como é o futebol. Só a título de exercício, imaginemos um time composto por 11 jogadores tão individualistas quanto Romário…
“Individualmente, cada um de nós tende a se comportar de uma forma que sabemos teria conseqüências catastróficas se todo mundo imitasse.”
Clemente Nóbrega, consultor e articulista
Seja num time de futebol, seja numa equipe de trabalho, seja numa mera atividade recreativa, é impossível conseguir outro resultado que não desordem e intriga se determinadas regras mínimas de convivência, trabalho e respeito mútuo não forem observadas.
Nada contra o talento ou a genialidade, muito pelo contrário. Sem talento nada de produtivo se consegue no mundo competitivo de hoje. Nem de longe se deve pensar na possibilidade de regras rígidas de trabalho que contribuam para embotar ou anular o talento individual.
“O trabalho de equipe não significa baixar o nível de alguém extremamente talentoso para o menor denominador comum. (…) Os times espetaculares invariavelmente são constituídos por indivíduos talentosos, porém, eles conseguem cultivar o ego e ganhar os campeonatos como uma equipe.”
Tom Peters, consultor norte-americano
A questão básica está, justamente, aí. O talentoso que não consegue trabalhar em equipe não pode ter vez sob pena de inviabilizar o time. O talentoso patológico não consegue desenvolver a lealdade, atributo fundamental do trabalho em equipe.
“Hoje em dia, lealdade é a única coisa que realmente importa. Mas não é aquela lealdade cega à empresa. É a lealdade com seus colegas, sua equipe, seu projeto, seus clientes e você mesmo.”
Tom Peters, consultor norte-americano
Se Felipão não conseguir garantir uma cota mínima desses requisitos em Romário, não deve mesmo convocá-lo. Se o fizer, estará abrindo mão de sua autoridade e da possibilidade de ter uma equipe. Resistir a pressões, quando necessário, ou flexibilizar decisões, quando preciso, é exercício de sabedoria gerencial.