O próximo presidente teráque se "comportar" bem

 
Com a desistência da pré-candidata Roseana Sarney à disputa pela presidência da República, o quadro da campanha eleitoral vai ganhando contornos mais nítidos, muito embora muita água ainda vá rolar por baixo da ponte da sucessão.
Política, como muito bem lembram os mineiros, é feito nuvem. Você olha, está de um jeito; olha de novo, logo depois, e já está de outro muito diferente. Eleição, então, apesar da força das tendências, é muito influenciada pelo clima próximo da votação. O simples resultado de um debate entre candidatos pode fazer pender decisivamente a balança para um dos lados em disputa.
Com a saída de Roseana, ficam no páreo Lula, José Serra, Garotinho e Ciro Gomes, cada qual com suas objeções básicas. Lula, com  a falta pessoal de experiência administrativa. Serra, com a visão “paulistocêntrica” do mundo. Garotinho, com o neopopulismo. Ciro, com o voluntarismo a la Collor.
Todavia, como já foi destacado no Gestão Hoje anterior (número 373), nenhum desses “defeitos”, embora atrapalhem, impede o candidato de governar.
Para a falta pessoal de experiência, há a experiência administrativa do partido, já bem extensa. Contra o exercício da visão “paulistocêntrica” (ou regionalizada da realidade brasileira), do neopopulismo (velho fantasma sulamericano, redivivo na Venezuela) e do voluntarismo (ou “bonapartismo”, também velho fantasma regional), há o fato de que, seja quem for o eleito, terá que governar com o apoio de um Congresso amigo. E, para isso, terá que construir uma maioria parlamentar por meio de alianças políticas. Na composição dessa base governista, terá que fazer concessões e não poderá atuar exclusivamente como lhe convier.
Ninguém pode mais governar no Brasil de costas para o Congresso e, portanto, não pode fazer o que quer nem, muito menos, exercitar impunemente suas idiossincrasias políticas. Além do Congresso, funcionam regularmente o Poder Judiciário e a vigilante Promotoria Pública. Sem falar na sociedade civil, cada dia mais atuante.
Evidentemente que há muito o que avançar em termos de melhoria de desempenho dessas instituições. Mas não se pode negar a importância do seu funcionamento regular como fiador do estado de direito e da democracia representativa no país.
Além desse estado de coisas que limita e baliza a atuação do próximo presidente, há outro aspecto (também assinalado nos números anteriores) que contribui para “enquadrar” a atuação do próximo presidente. Trata-se da necessidade de “continuar” o governo FHC, dando ênfase redobrada à questão da inclusão social, como bem assinala o poeta brasileiro Ferreira Gullar, em entrevista à última edição da revista IstoÉ Gente.

“Foi dado um passo para um país mais organizado com o Fernando Henrique, temos que reconhecer isso. Quero saber quem vai dar o passo adiante sem destruir o que foi feito, quem vai começar a governar para os 50 milhões que não têm nada.”

Ferreira Gullar, IstoÉ Gente, 15.04.2002

O nosso regime presidencialista com partidos fracos, confere à figura do presidente da República um poder hoje em dia desproporcional à realidade, como se ele tivesse o dom de, por vontade própria, definir como o país vai ter que se comportar depois de sua posse. Para o nosso bem já não é mais assim (ou, talvez, nunca tenha sido, de fato, assim), muito embora, ainda, seja muito grande o poder do presidente.
Ao eleitor cabe observar, atentamente, como vai se desenrolar o jogo sucessório e procurar valorizar seu voto dando-o ao candidato que demonstrar ser mais capaz de avançar na solução dos problemas do país. Sem se desiludir ou desesperar se ele não for eleito. Aquele que for, terá que se “comportar” bem.

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