Política, sobretudo a partidária em época de eleição, é como futebol e religião: mobiliza paixões, provocando discussões emocionais e desavenças, às vezes irreconciliáveis.
Por isso, é preciso muita serenidade para tratar da questão da vulnerabilidade financeira do país, substancialmente amplificada pela disputa sucessória em curso. O Brasil é um paciente que, do ponto de vista financeiro, “inspira cuidados”.
Na semana que passou, tivemos mais uma prova desse estado de coisas. O dólar voltou a subir, as bolsas voltaram a cair e o risco-país (diferença entre os juros pagos por títulos da dívida externa brasileira e os pagos pelos títulos do Tesouro dos EUA) voltou a bater recorde de alta, lembrando que, desde o mês passado (ver o Gestão Hoje número 378), o país entrou em zona de turbulência econômica.
As novas “sacudidelas” foram provocadas pela antecipação, determinada pelo Banco Central, de uma medida prevista para entrar em vigor em setembro obrigando os bancos a contabilizarem os títulos da dívida pública em seu poder pelo valor de mercado. Apenas essa medida, num ambiente econômico propenso à volatilidade, provocou perdas nos fundos de investimento e fuga de recursos para outros ativos, inclusive o dólar.
No rastilho dessa movimentação aparece a desconfiança dos investidores sobre a capacidade do próximo governo saldar a dívida pública que hoje atinge a casa dos 56% do PIB, uma boa parte dela atrelada à variação cambial.
Esse aspecto é muito importante de considerar porque uma marca do governo FHC foi a de, justamente, trocar inflação por endividamento, tanto interno quanto externo. Só para se ter uma idéia da dimensão do problema: a dívida mobiliária federal interna (aquela baseada em títulos) passou de R$ 61 bilhões em 30.06.1994 para R$ 624 bilhões em 31.12.2001. Um aumento nominal de dez vezes.
É exatamente a capacidade de pagamento dessa dívida pelo futuro governo, seja ele qual for, que o mercado começa a colocar em dúvida e, por isso, exige prazos mais curtos e ganhos maiores.
É essa dívida, denominada em títulos públicos, que lastreia os fundos (DI, renda fixa, etc.) onde os investidores, sobretudo os de classe média, têm aplicadas sua economias. É essa dívida que, na Argentina, foi alongada compulsoriamente pelo governo e colocou os argentinos nos “corralitos”, com direito a retiradas mínimas por semana e a “panelaços” diários.
Por aí, se pode ter uma idéia da gravidade do problema e da necessidade de se tratar a questão com seriedade e cuidado. Não cabem simplificações ou propostas aventureiras. Com pacientes que “inspiram cuidados” não se pode ser desatento ou irresponsável. A piora de um “sinal vital” (como é o caso da confiança dos investidores internos), imediatamente repercute nos outros sinais, sobretudo externos.
Só esse ano o Brasil precisa de, entre recursos para rolagem de seus compromissos externos e o fechamento do balanço de pagamentos, cerca de US$ 47 bilhões, quase metade dos quais advindos de investimentos diretos do exterior. Sem um mínimo de confiança o dinheiro não vem e, aí, a coisa fica feia.
É por isso que a lembrança do jornalista Carlos Alberto Sardemberg, em recente artigo na revista Exame, é muito oportuna. Falando da necessidade dos candidatos e das autoridades de prestarem muita atenção no que dizem por conta da delicadeza da situação econômica citou um trecho do bem humorado de um velho samba de Billy Blanco, “Estatuto da Gafiera” (1954):
“Moço, olha o vexame
O ambiente exige respeito
Pelos estatutos da nossa gafieira
Dance a noite inteira
Mas dance direito.”