Fica difícil falar de outro assunto. Na sexta-feira 21.06.2002, o dólar alcançou o seu maior preço desde o lançamento do real (R$ 2,84) e o risco-país do Brasil, medido por instituições internacionais, atingiu a inacreditável marca de 1.706 pontos (superando a Nigéria e perdendo apenas para a Argentina a condição de mais arriscada opção de investimento do mundo).
Por que isso? Há algo que justifique, do ponto de vista econômico, esse paroxismo? Com a palavra o ministro Pedro Malan:
“Nada fundamental ocorreu na indústria, no comércio ou no setor de serviços nas últimas semanas para justificar uma escalada dessa magnitude do risco. Estamos num momento de ansiedade (eleitoral), em que as pessoas acham melhor seguir o rebanho que errar sozinhas.”
Pedro Malan, O Globo, 22.06.2002
Só mesmo um comportamento “de manada” justifica essa situação. É verdade que, como vem destacando o Gestão Hoje em seus últimos números, existem alguns problemas nos fundamentos macroeconômicos, sobretudo relacionados à dívida pública, que fazem inspirar cuidados ao “paciente” Brasil. Mas nada, nada mesmo, que não possa ser administrado, tanto por esse quanto pelo próximo governo, incluindo as necessárias mudanças de rumo que precisarão ser feitas.
Do ponto de vista macroeconômico, o governo Fernando Henrique Cardoso fez apenas parte do “dever de casa”. Por ter insistido demasiado tempo na prática do populismo cambial (todo o primeiro mandato), terminou por trocar inflação por endividamento, alavancado pelos maiores juros do mundo (ver GH/383).
Quando foi obrigado a recorrer ao FMI e fazer a desvalorização em janeiro de 1999, entrou em cena a fase do realismo fiscal, com a prática de uma política macroeconômica que estabeleceu mecanismos claros e mensuráveis para os regimes cambial (câmbio flutuante), fiscal (superávit primário) e monetário (metas de inflação).
O câmbio flutante revelou-se um excelente absorvedor de choques e contribuiu decisivamente para a transição pós-desvalorização, sem que a inflação fugisse ao controle. O superávit primário, inicialmente fixado em 3,5% e recentemente ajustado para 3,75% do PIB, tem funcionado como principal instrumento de estabilização da relação Dívida/Produto na casa dos 55% do PIB. O sistema de metas de inflação, apesar das críticas que tem recebido, revelou-se surpreendentemente exitoso, mesmo diante das duras provas pelas quais tem passado (variação cambial, flutuação do preço do petróleo, racionamento de energia).
Apesar da expressiva melhora de qualidade da política macroeconômica e da eficácia dos mecanismos adotados, persistem problemas que, em última análise, refletem-se na dívida pública (interna e externa) e estão na base das turbulências atuais.
Alguns desse problemas: a dependência de capitais externos é alta (cerca de US$ 50 bilhões por ano, entre amortizações da dívida externa e atração de capitais para fechamento do balanço de pagamentos); os juros básicos da economia continuam altos (18,5% ao ano, dois dígitos real, descontada a inflação); e o crescimento econômico tem sido baixo (2,5% ao ano em média, no período FHC).
São problemas importantes mas que fazem parte do cenário há anos e, por si sós, não justificam a atual histeria, a não ser pelo fato de sofrerem o impacto do fator eleição e de requererem atenção cuidadosa do próximo presidente, seja ele quem for. Até lá, um mínimo de bom senso deve voltar ao mercado, sobretudo se for escoltado pelo senso de responsabilidade dos candidatos, o que, parece, já começa a se esboçar.
Feriado de São João
Devido ao fato de ter sido feriado de São João na cidade do Recife na segunda-feira, 24.06.2002, o Gestão Hoje só pode ser distribuído na terça-feira, 25.06.2002.