De toda essa turbulência da economia e disse-me-disse do noticiário especializado, o que há, mesmo, de fundamental que merece ser considerado? O que, de fato, está em jogo?
Parece não haver dúvidas de que vários são os fatores que se conjugaram para configurar essa mais nova crise pela qual passa a nossa economia. O primeiro e, certamente, o mais sério fator específico é a fragilidade externa do país: a cada ano são necessários cerca de US$ 50 bilhões para rolagem dos compromissos externos contratados e para fechar o balanço de pagamentos do país.
A necessidade dessa verdadeira montanha de dinheiro funciona como uma espécie de espada de Dâmocles, suspensa sobre a economia nacional e, em épocas de aversão ao risco como a atual, deixa todo mundo nervoso.
A atual aversão do capital ao risco alimenta-se do temor de que o sucedido com a economia argentina alastre-se para a economia brasileira e, recentemente, foi grandemente reforçada pela descoberta das megafraudes contábeis de grandes empresas privadas.
Aliás, essas fraudes gigantescas merecem um comentário adicional. O assunto começou com a ruidosa falência da Enron que levou, literalmente de roldão, a centenária empresa de auditoria e consultoria Artur Andersen. Depois vieram a WorldCom que admitiu um erro contábil da ordem de US$ 4 bilhões; a Merck, uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo com superfaturamento de US$ 14 bilhões; e mais a Xerox, a Vivendi Universal (na França), além de outras. Até o presidente George W. Bush e o seu vice Dick Cheney entraram na dança, acusados, quando eram executivos de empresas privadas, de praticarem atitudes semelhantes.
Avesso ao risco, o capital tende a fazer o que se chama, no jargão da área, fly to quality. Tende a ir para as aplicações mais seguras. Resultado: aumenta o custo da captação e o risco-país de economias como a do Brasil vai para as alturas porque, embora tenha fundamentos infinitamente melhores que os da Argentina, para os analistas do mercado, por conta da fragilidade externa, não chega a ser uma “brastemp”.
Quando se acrescenta a esse ambiente tenso declarações de candidatos à presidência falando em coisas que colocam no ar um cheiro que lembra a calote da dívida interna, tem-se um estado de pré-ataque de nervos, com todo mundo querendo se proteger do “pior”.
Para se ter uma idéia de como a coisa é interligada, a decisão do Banco Central de antecipar a medida de marcação a mercado dos fundos de investimento que desencadeou a escalada recente do dólar, ao que tudo indica, provocou um “tranco” no crescimento industrial que já apresenta importantes repercussões recessivas. Afinal, o crescimento recente da economia brasileira foi todo “puxado” pelo crescimento da indústria.
Mas como “não há mal que sempre dure”, algumas coisas começam a acontecer que sinalizam para um amadurecimento político relevante: os candidatos já estão moderando o discurso de campanha e iniciam a explicitação do compromisso de manutenção, pelo menos no início dos seus possíveis governos, das linhas mestras da política macroeconômica.
Mais do que isso, até o presidente do Banco Central, Armínio Fraga, depois de recente périplo por Washington, junto ao FMI e ao governo norte-americano, parece ter conseguido o compromisso de realização de uma espécie de acordo de transição que permita ao próximo governo, seja ele qual for, iniciar sua gestão sem ficar paralisado pela escassez de recursos de curto prazo.
Outra medida politicamente evoluída: o convite de Armínio Fraga a Aloísio Mercadante (possível ministro da Fazenda, num futuro governo Lula) para conversarem sobre a economia e, quem sabe, acertarem encaminhamentos adultos e necessário para quem assumir o governo do Brasil no dia primeiro de janeiro de 2003. Esperemos que o bom senso avance e prevaleça.