Na sexta-feira 19.07.2002 a Bolsa de Nova York caiu ao seu menor nível desde a crise da Rússia em 1998, na esteira da sucessão de fraudes contábeis, descobertas em grandes grupos privados, a partir da espetacular quebra da Enron.
Depois da Enron, já entraram na dança dos escândalos corporativos: WorldCom, Merck, Qwest, Vivendi/Universal, Adelphia, Computer Associates, Duke Energy, Dynegy, Global Crossing, ImClone Systems, Lucent, Network Associates, Rite Aid, Tyco International, Bristol-Myers, Xerox.
A última foi a AOL – America On Line, acusada de inflar sua receita utilizando práticas contábeis “pouco convencionais”, antes e depois da aquisição da Time Warner. Aliás, essa aquisição, realizada em 2000, marcou o ápice e o início do declínio da chamada “nova economia” ou, na feliz expressão de Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve, o banco central dos EUA, da era da “exuberância irracional”. Vista de hoje, nem mesmo essa exuberância poderia justificar a aquisição de um império da mídia e do entretenimento, proprietário de jornais, revistas, televisões, estúdios etc., por uma empresa como a AOL que não possuía, praticamente, nenhum ativo fixo. Agora se começa a ver que a exuberância foi ajudada pela “criatividade” contábil.
Contrariando sua habitualmente precária habilidade verbal, foi o presidente George W. Bush quem ofereceu, em discurso, a melhor metáfora para caracterizar o que está acontecendo com a economia norte-americana. Disse que o que estava ocorrendo era uma “ressaca” dos excessos cometidos na década de 90.
É, justamente, essa “ressaca” que tem deixado a descoberto os entulhos da década “exuberante”: a necessidade de parecer mais do que é. Greenspan, em discurso recente no senado norte-americano, cunhou outra expressão que talvez vá também ficar marcada como emblema dessa época pós-euforia: “ganância infecciosa”. Diz ele que essa é a principal causa das fraudes: a distribuição descontrolada de opções de compra de ações entre executivos das maiores companhias do país criou incentivos para se inflar artificialmente as receitas e os lucros, com o objetivo de elevar o preço das ações.
Dessa tentação não escaparam nem o atual presidente nem o vice dos EUA. Quando eram executivos de empresas privadas participaram de traquinagens semelhantes às descobertas agora.
Aí, é que “a porca torce o rabo”. Obrigado, por responsabilidade do cargo que ocupa, a propor disciplinamento e punições para o descontrole verificado na contabilidade das companhias “criativas”, o presidente dos EUA vê-se acusado pelo mesmo tipo de delito que recrimina. Ele pode ser tentado a criar uma falsa solução para esse conflito, desviando atenções com uma declaração de guerra ao Iraque, como já vem ameaçando.
Se isso vier a acontecer, diferentemente do ocorrido quando da declaração de guerra ao governo Taleban do Afeganistão, os EUA sofrerão muito mais contestação internacional e o mercado financeiro ficará mais nervoso, o “vôo para a qualidade” dos recursos de investimento se acentuará, com repercussões ainda mais graves para as economias emergente, dentre elas o Brasil.
Na ocorrência desse cenário, o próximo presidente do país tomará posse em meio a um ambiente internacional bem mais conturbado. Daí, a importância da iniciativa do presidente do Banco Central ao realizar conversas com os representantes dos candidatos com vistas a um acordo que permita uma transição a menos turbulenta possível.
Essa situação pode repercutir, até, na sucessão presidencial. João Herrmann, deputado federal do PPS (partido de Ciro Gomes) chega a prever um segundo turno com Ciro e Serra, desfiando o seguinte argumento: “Serra permanece porque a situação internacional é tão séria que exige uma blindagem para o Brasil. E Serra é o ‘blindex’ disponível no mercado.”