Apesar da turbulência,o Brasil vai continuar "voando"

 
A semana passada foi, do ponto de vista da economia, particularmente agitada, uma das mais nervosas da era do real. Na quarta-feira 31, o dólar chegou a ser cotado a R$ 3,61, igualando-se à cotação do peso argentino e acumulando, no fim do dia, uma valorização no ano de 51,1%, sendo 23,4% só no mês de julho.
Acompanhou esse cenário, contribuindo para o nervosismo e para a corrida ao dólar, a maior restrição de crédito externo já observada em tempos recentes. A ponto de o deputado Delfim Netto, experimentado conhecedor dos meandros da economia nacional, ter dito textualmente: “nunca vi isso ocorrer antes”.

“… pela primeira vez na história, o Brasil enfrenta uma crise que ameaça também as linhas de crédito aos exportadores, normalmente beneficiados em período de desvalorização cambial.”

Matéria da Folha de S. Paulo, 28.07.2002

Por que isso acontece? Está todo mundo com medo de emprestar ao Brasil, governo ou empresas, porque o ambiente internacional está muito conturbado, porque os fundamentos da economia, embora muito melhores que os de nossos vizinhos do Mercosul, têm lá os seus problemas e porque não se sabe o que vai acontecer depois que o próximo presidente assumir.
Para entornar ainda mais o caldo para o nosso lado, o  vizinho “de porta” Uruguai terminou adotando, na semana passada, medida semelhante ao “corralito” argentino: confisco de parte dos depósitos e poupanças da população depositada em bancos.
A situação permite usar a imagem do avião que em pleno vôo enfrenta turbulências: (1) as condições externas são difíceis (a economia norte-americana e, por seu tamanho, a do mundo também, está abalada); (2) o equipamento tem lá os seus problemas (os fundamentos da economia não estão 100%); e (3) o piloto vai ser trocado e não se sabe se o que vai assumir tem condições de manter o avião no ar (há quem esteja dizendo, até, que o atual piloto não terá condições de terminar o seu turno e terá que passar o comando ao sucessor, antes do prazo).
Em momentos como o atual é preciso muita cautela de todos e espírito cívico dos homens públicos para que a crise não seja amplificada pelo nervosismo ou inconseqüência de quem tem a responsabilidade de manter a calma dos “passageiros”. O que aconteceria se, em plena turbulência, a tripulação da nossa hipotética aeronave começasse a gritar, desesperada: “desse jeito o avião vai cair”?
O Brasil não vai “cair”. Em primeiro lugar porque o “equipamento”, apesar dos defeitos, é bom: as dívidas públicas, tanto interna quanto externa, embora altas, são perfeitamente administráveis. Em segundo porque dentre os candidatos a “piloto”, apesar de suas diferenças, não há nenhum irremediável irresponsável. E, por último mas não menos importante, o país, diferentemente da Argentina e do Uruguai, é muito grande: uma “queda” provocaria um estrago considerável na economia mundial.
Dito isto, é imprescindível repudiar com veemência essa enorme irresponsabilidade que começa a circular pela boca dos inconseqüentes: a antecipação da posse do próximo presidente pela renúncia do presidente Fernando Henrique Cardoso, ou seja a sua “alfonsinização” (o presidente argentino Raúl Alfonsin teve que renunciar seis meses antes do fim do seu mandato para a posse antecipada de Carlos Menen).
Nem o Brasil é a Argentina nem FHC é Raúl Alfonsin. Irresponsabilidades como essa jogam lenha na fogueira a amedrontam mais ainda os investidores. O Brasil não “cai” mas pode ter que fazer um pouso forçado por falta de combustível (crédito em dólares). Vale lembrar:

“O investidor tem coragem de carneiro, velocidade de lebre e memória de elefante.”

Roberto Campos, JB, 20.09.1998

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