A natureza incomum da crisee a responsabilidade dos presidentes

 
A exemplo do que já acontecera no final da campanha presidencial de 1998, a passagem de um mandato para o outro se fará em meio a uma turbulência econômica significativa.
O presidente que tomará posse em janeiro vai assumir o leme de uma embarcação que está navegando em mar bastante adverso. A propósito dessa imagem de tempestade no mar, a economista Eliana Cardoso já havia feito, em artigo para o jornal Valor Econômico, a comparação, reproduzida pela revista Veja desta semana, com a situação do filme “Mar em Fúria” (The Perfect Storm, USA, 2000), onde três fenômenos atmosféricos distintos e expressivos se combinam para formar a “tempestade do século”.
Os três fenômenos que se combinaram em 2002 e ameaçam a tranqüilidade do novo comandante foram: (1) a dependência estrutural da economia brasileira de dólares para fechamento do seu balanço de pagamentos (e o risco associado de um calote da dívida pública se os recursos necessários não forem captados); (2) a aversão ao risco que se formou no mercado financeiro internacional depois do “estouro” da “bolha” especulativa da nova economia e dos atentados terroristas aos EUA; e (3) a possibilidade de eleição de um presidente de “esquerda” no Brasil, o que provoca “arrepios” de medo nos investidores mal informados e excitação incomum nos especuladores bem informados.
Tudo isso junto produziu a mais forte restrição de crédito com a qual a economia brasileira já se deparou na história recente. Um verdadeiro fechamento de portas que tem provocado, na prática, o fenômeno do “crédito raro e caro”, responsável por levar as empresas endividadas em dólar a um sufoco sem precedentes e a uma forte pressão pela compra da moeda estrangeira no mercado interno.
Os sintomas dessa situação atípica, usada, inclusive, pelos especuladores externos e internos para auferirem altos ganhos adicionais, se expressam em dois indicadores, hoje, nas alturas: no exterior, o risco-Brasil, acima dos 2.000 pontos; no interior, a cotação do dólar, batendo na casa dos R$ 4,00 para intranqüilidade geral e irrestrita. Com um agravante muito preocupante: o risco da inflação disparar pela demora da permanência do dólar em patamar tão elevado e do repasse para os preços.
A navegação em mares tão turbulentos exigirá, tanto do governo que sai quanto do governo que entra, responsabilidade, agilidade e competência. Responsabilidade para não deixar que questões acessórias, como futricas políticas, possam vir a se constituírem em fatores adicionais de turbulência. Agilidade para colocar em prática, sem demora, as medidas necessárias ao enfrentamento das dificuldades. E competência, tanto para entregar o leme em condições de navegação minimamente satisfatórias quanto para, depois de assumir, manter-se na rota segura em meio à turbulência.
É de justiça dizer que tanto o governo que sai está agindo no sentido de fazer uma transição civilizada e cooperativa (algo talvez nunca acontecido desde a República Velha em 1930, nem mesmo no período dos governos militares que, pelo menos em tese, eram do mesmo “partido”), quanto os candidatos ao próximo governo estão agindo, até o momento (e nada faz crer que mudem de postura na reta final), de forma civicamente responsável (atitude, também, historicamente rara).
Com um senão, apenas: a não realização, no segundo turno, do indispensável debate aprofundado das propostas entre os candidatos, sobretudo em relação ao que fazer para enfrentar a crise econômica incomum pela qual está passando o país. Essa ausência será inevitavelmente cobrada durante o próximo governo. Tomara que de uma forma suportável.
 
Agradecimento
Agradecemos, pelas equipes da TGI Consultoria em Gestão e do Gestão Hoje, a todos os que nos enviaram parabéns e votos de sucesso pelos 12 anos da TGI e pela publicação do número 400 do GH.
Obrigado, amigos!

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