Na publicação “Brasil em Exame”, de 27.11.2002, o jornalista Carlos Alberto Sardenberg, referindo-se à observação de um dos participantes do debate “Cenários: Como Administrar 2003”, registrou a frase do título, em relação às perspectivas do governo Lula no próximo ano.
De fato, pode-se dizer que, do ponto de vista macroeconômico, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva herda um grande problema externo, uma grande oportunidade externa e um grande problema interno.
O problema externo é o inédito estrangulamento do crédito ao país. Resultado de uma equação perversa que, montada no segundo semestre de 2003, pode expressar-se do seguinte modo: (vulnerabilidade externa do país + tamanho da dívida interna + incerteza quanto à austeridade fiscal do próximo governo) + (aversão internacional ao risco) = maior restrição de crédito da história do país.
A grande oportunidade externa é o quase inacreditável ajuste das contas externas que está sendo feito pelo país com a materialização de um saldo recorde da Balança Comercial da ordem de US$ 12 bilhões em 2002, contra uma projeção de metade até agosto último. Esse ajuste está se dando, sobretudo, pela grande valorização do dólar frente ao real (57% acumulado em 2002). É tão impressionante e acelerado esse ajuste que permite o seguinte prognóstico:
“No ano que vem, o déficit em conta corrente estará próximo de zero. Se os credores externos nos derem tempo, e se conseguirmos manter um superávit primário de 3,75% do PIB, nós sairemos da crise.”
Luiz Carlos Bresser Pereira
O problema interno grave decorre, por sua vez, justamente, da mesma desvalorização cambial que ajuda as contas externas. Com o encarecimento das importações, estabelece-se uma pressão de repasse da valorização do dólar para os preços internos. O resultado é o repique inflacionário e a ameaça da reindexação preços/salários. As taxas anualizadas já se encontram em 20% e 10% para o atacado e o varejo, respectivamente.
Se acontecer o que Bresser Pereira antecipa e a situação internacional se mantiver sem sobressaltos (os EUA não resolverem declarar, por exemplo, guerra ao Iraque), o governo Lula terá disponíveis, do ponto de visita econômico, muito boas condições para dar início a um círculo virtuoso que junte, a partir de 2004, retomada do crescimento econômico com mais desenvolvimento social. Teríamos, aí, o cenário do “muito certo”.
Se, todavia, por outro lado, os credores continuarem insensíveis aos esforços feitos e/ou o ambiente internacional se deteriorar, é o próprio Bresser Pereira quem aponta o caminho inevitável:
“Se, porém, mesmo assim os credores mantiverem a suspensão da rolagem da dívida externa, o Brasil poderá ser forçado a suspender o pagamento da dívida… se acontecer é necessário que o Brasil tenha um Plano B… a centralização do câmbio.”
Luiz Carlos Bresser Pereira
Na ocorrência dessa situação, caracteriza-se o cenário “muito errado”, com todo o seu cortejo de males de dentro para fora (isolamento do país, maior restrição ainda ao crédito etc.).
Além dessa batalha no front externo, a outra que terá que ser travada, sem tréguas, pelo governo Lula no front interno, é contra a inflação. Do ponto de vista psicológico, a inflação não pode passar de um dígito em 2003, sob pena de solapar a base de confiança do próximo governo. Afinal, Luiz Inácio Lula da Silva foi eleito para ir além da estabilização (que significa, na prática, inflação controlada), mas preservando-a. Se não conseguir fazê-lo, sua base de apoio solapa-se muito rapidamente.