No início do jogo, o governo Lulacomeça se mexendo bem em campo

 
O governo Lula começou em grande estilo, numa bonita festa pontilhada de vermelho e de esperança na Esplanada dos Ministérios. Uma apoteose popular nunca vista em Brasília, com direito a quebra de protocolo e tudo mais que faz a alegria das grandes coberturas televisivas.
Do ponto de vista político, o saldo do começo também parece positivo. Depois de montar e empossar um ministério que preserva intacto o “núcleo duro” da campanha em postos-chave (Dirceu, Palocci, Gushiken, Mantega e Dulci) e acomoda as principais forças que apoiaram a sua candidatura, inclusive as tendências internas do PT, o presidente Lula conseguiu, nas primeiras movimentações do governo, passar nítida a mensagem: o Fome Zero é mais importante do que qualquer coisa, inclusive a compra de aviões para a aeronáutica.
Aliás, desde que conseguiu a vitória no segundo turno que Lula e seu estado maior têm procurado deixar evidente que se há uma palavra que marcará o seu governo, ela é “social“, assim como “economia” marcou o(s) governo(s) FHC. Logo tratou de divulgar o Fome Zero como principal projeto, depois colocou um médico no ministério da Fazenda e encheu o gabinete de ministros “sociais”.
Para além, porém, do saldo positivo das ações iniciais do novo governo, despontam duas preocupações dignas de registro na montagem do ministério. Em primeiro lugar, o excesso de funções novas, parecidas e, inevitavelmente, com grande potencial de superposição e, por conseguinte, de atritos e fortes disputas de poder, demandando grande energia coordenadora. Em segundo, o alto risco de colocar Ciro Gomes, um sujeito que pôs sua candidatura a perder pelas várias inconveniências que diz, num posto de tanta visibilidade e tão pouca efetividade como o ministério da Integração Nacional.
No atacado, o que o novo governo tem conseguido por em prática, desde o início do processo de transição, confirmada na montagem do ministério, nos inúmeros pronunciamentos de Palocci e marcada, de maneira inequívoca, no discurso de transmissão do cargo no  ministério da Fazenda, é a diretriz de não mexer no que está funcionando na economia.

“Como se diz no Chile, é preciso ser conservador em economia para ser progressista no social.”

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista brasileiro

Nesse particular, louve-se a correta compreensão que tiveram Lula e seu staff da mensagem dada pelas urnas: a mudança que se quer é a da introdução de uma nova e inequívoca preocupação do governo, que se efetive na prática, em relação à calamitosa e preocupante situação social do país.
Todavia, isso deve ser feito sem colocar em risco a conquista econômica da estabilidade. Daí, a grande importância estratégica de não deixar a inflação recrudescer (não é insano considerar que na hipótese, mesmo remota, de um retorno vigoroso da inflação, todo o projeto de governo estaria seriamente comprometido).
Na preservação dos aspectos positivos da política econômica do governo anterior (como câmbio flutuante, regime de metas de inflação, realismo fiscal, estabilização da relação dívida/PIB), merece ressalva a necessidade do novo governo trabalhar com todo empenho, como vem alertando com muita ênfase o economista Luiz Carlos Bresser Pereira, para mudar, assim que possível, a perversa relação câmbio baixo x juros altos (que predominou no período FHC) para a inversa: câmbio alto x juros baixos. A única capaz de fazer o país voltar a crescer a taxas necessárias.
Os acertos do novo governo devem ser encarados, todavia, como lances iniciais de um jogo que está apenas acabando de começar. Muita bola, mas muita, mesmo, ainda vai rolar. Torçamos todos para que o bom começo dê o tom do que vai vir pela frente e para que o céu nublado do ambiente internacional não se materialize numa tempestade capaz de trazer ainda mais dificuldades a um jogo, por si só, já muito exigente.

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