O mercado, aquele que vota a “cada dia útil” na expressão do jornalista Carlos Alberto Sardenberg, sancionou, nos primeiros dez dias, a boa movimentação do novo governo. O dólar e o risco-país baixaram, a inflação começou a dar mostras de arrefecimento e o crédito externo, grande vilão do segundo semestre de 2002, parece iniciar a retomada do seu curso de normalidade. Ponto para o governo Lula.
Junta-se a esse bom começo, todavia, um evento marcante da semana que acendeu uma luz amarela no painel da preocupação com a efetividade das ações do novo governo: a viagem do presidente e seus ministros, país afora, para “conhecer a miséria”. Jânio de Freitas, colunista da Folha de S. Paulo, insuspeito porque crítico implacável do antigo e notório simpatizante do novo governo, definiu com precisão o inusitado périplo:
“Esse tipo de viagem só tem resultado propagandístico. E Lula não precisa de mais exposição propagandística do que vem tendo, motivada pela emoção popular autêntica e pura e pela autenticidade de sua resposta a essa manifestação.”
Jânio de Freitas, jornalista brasileiro
Se o governo queria marcar, simbolicamente, as diferenças da sua postura pela aproximação do povo e pela radical preocupação com os segmentos mais desfavorecidos (o que seria mais do que legítimo), tinha como fazê-lo de modo mais efetivo e com menos espetáculo. Esperemos que tenha sido, apenas, um derradeiro efeito retardado da campanha eleitoral porque as tarefas que o novo governo se propõe a executar, por delegação do país, são pesadas demais e requerem uma energia que não deve ser desperdiçada à toa.
O próprio presidente Lula, em seu discurso de posse, enumerou as reformas que promete realizar em seu governo: (1) Previdenciária; (2) Tributária; (3) Política; (4) Trabalhista; (5) Agrária. Todas de grande importância para o futuro do país e que o governo FHC deixou inconclusas.
Além dessas reformas, e como se não bastassem suas magnitudes, outra fundamental foi, depois, anunciada: a do Judiciário.
Alega, com plena razão o ministro da Justiça, Márcio Tomaz Bastos, que é impossível pensar-se em avanço e desenvolvimento social, sem uma Justiça forte, ágil e incorruptível. Não existe país desenvolvido que não tenha uma Justiça que faça, de fato, justiça.
A esse respeito, o célebre jurista e parlamentar brasileiro Rui Barbosa já alertava em seu tempo, com idéias verdadeiras apesar da linguagem rebuscada, sobre os efeitos socialmente destruidores de um sistema judiciário precário e corrompido, que leva à descrença nos seus atos:
“Este país viverá, se crer na justiça … Se não, rapidamente passará da desordem à anarquia, da anarquia ao caos, do caos à fermentação, da fermentação à deliqüescência, até que aluviões estranhos, não deixando já do Brasil atual nem o nome, venham, em camadas sucessivas, cobrir e sanear a necrópole de uma raça perdida, porque se não terá sabido conciliar com a justiça numa idade, onde, abolida a justiça, não há, para os fracos, outra sorte que a de presa e carniça entre as rivalidades dos fortes.”
Rui Barbosa, 1909
Todas essas reformas anunciadas são importantes requerendo muito trabalho e ação competente para serem realizadas e postas em prática. Cabe ao governo persegui-las com determinação e afinco, sem perda desnecessária de energias em excesso de atividades pirotécnicas.