Com o fim do jogo de guerra,os falcões é que vão ditar as regras

 
Última autoridade a falar pelo recém-deposto regime de Saddam Hussein, na quarta-feira 09.04.2003, o embaixador do Iraque na ONU foi tão lacônico quanto preciso diante dos microfones das emissoras de TV em Nova York:

“The game is over.â€?

Mohammed Al-Douri, embaixador iraquiano na ONU

A precisão está, justamente, na definição dessa guerra como um jogo, bruto e irresponsável, mas um jogo. De um lado, a irresponsabilidade arrogante com um cacife militar inesgotável. Do outro, a irresponsabilidade blefadora de quem não tinha sequer um mísera carta na manga.
A vitória significa mudança completa da geopolítica local, com um novo enclave norte-americano na região. Por sinal, uma dado curioso e revelador: o exército dos EUA é, hoje, o único que é dividido não por regiões internas mas por regiões externas ao seu território, com bases instaladas pelo mundo todo: Europa, �sia, América Latina e, agora, Oriente Médio. Não é à toa que o orçamento militar norte-americano, sozinho, representa mais da metade dos gastos militares do planeta (para uma população equivalente a 5% da mundial e uma economia que representa 30% da economia do globo).
Além disso, e o que parece mais preocupante, o resultado da guerra significa, também, a ampla vitória da tese central (“Choque e Pavor”) da nova doutrina norteadora da política externa norte-americana. Talvez a mais conservadora e declaradamente intervencionista desde a famosa big stick do presidente Theodore Roosevelt (1858-1919). Seus expoentes no atual governo são Dick Cheney (vice-presidente), Donald Rumsfeld (secretário de Defesa), Paul Wolfowitz (subsecretário de Defesa) e Condoleezza Rice (assessora de Segurança Nacional).
Trata-se de um time da pesada, sintomaticamente chamado de “os falcões”, que nunca fez segredo das sua idéias, trabalhou no governo George Bush pai, e encontrou terreno mais do que fértil, depois do 11 de setembro, para consolidar sua influência no governo George Bush filho, colocando para escanteio a turma mais moderada do Departamento de Estado, comandada pelo general Colin Powell.
Do ponto de vista exclusivamente militar, a vitória anglo-americana foi notável. Movida pela rapidez impressionante da ação no teatro de operações, a tecnologia e o poderio aéreo avassalador apoiaram um contingente terrestre relativamente pequeno: menos de 100 mil combatentes (contra uma força estimada de 350 mil soldados iraquianos). Desse total, apenas uma pequena parcela foi responsável pela queda de Bagdá (uma cidade de mais de 5 milhões de habitantes).
Depois dos erros iniciais cometidos (menos gente do que o necessário no campo, longas e delgadas linhas de suprimento, excesso de expectativas quanto à adesão inicial da população), que levou a perdas não esperadas, o estado maior norte-americano refez seu plano de guerra e promoveu o ajuste vitorioso. A tomada de Bagdá foi feita com um contingente tão pequeno que está  sendo incapaz de conter a onda de anarquia e saques instalada na cidade. Aliás, a manutenção da ordem pública pós-guerra é uma responsabilidade da “potência dominante”, segundo a convenção de  Genebra que regula o assunto.
Após o êxito militar indiscutível, são os “falcões” que, sobrevoando o terreno conquistado, vão comandar a “reconstrução” do Iraque e a reforma da governança  internacional, seriamente abalada pelo atropelo que sofreu o Conselho de Segurança da ONU.
O que vai acontecer não se sabe. Apesar das ameaças já feitas pelos EUA aos demais países componentes do “eixo do mal” (Síria, Irã e Coréia do Norte), o que dá para antecipar é, pelo menos por enquanto, uma trégua no ânimo beligerante do governo Bush. Afinal, as eleições estão próximas e não é prudente arriscar-se em novos e incertos jogos de guerra, pelo menos até que a reeleição esteja garantida.

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