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Enquanto o debate sobre as altas taxas de juros e seu impacto negativo sobre a atividade econômica corre solto na mÃdia, uma notÃcia preocupante passou sem ser percebida: a carga tributária alcançou 41,23% do PIB no primeiro trimestre de 2001.
De fato, a preocupação sobre os juros envolveu até o vice-presidente da República que, antes, durante e depois da ocupação interina da Presidência, soltou o verbo contra a polÃtica do Banco Central. Dentre outras coisas incômodas para o governo, afirmou, para sublinhar sua preocupação com o problema:
â… li numa reportagem que 30% da renda das pessoas de classe média baixa é gasta com pagamento de juros.â?
José Alencar, vice-presidente, Veja, 11.06.2003
Esses juros persistentementes altos são o principal remédio utilizado pelo Banco Central para controle da inflação (pelo desestÃmulo ao consumo e à formação de estoques especulativos). Ocorre que, como todo remédio poderoso, tem seus efeitos colaterais: drenagem dos recursos de poupança e investimento e desaquecimento da atividade econômica (o Ipea acaba de rebaixar a expectativa de crescimento de 2003 de 1,8% para 1,6%). Além, claro, de fazerem a alegria de quem comercializa dinheiro: o lucro dos bancos que operam no Brasil cresceu 18,7% entre janeiro e março deste ano, em comparação com o mesmo perÃodo do ano passado.
Em meio a esse relevante debate, todavia, foi divulgada sem muita repercussão a carga tributária de janeiro a março do ano: 41,23% do PIB, um recorde histórico, mesmo considerando o fato de ser o primeiro trimestre do ano o perÃodo de maior nÃvel do indicador (é nessa época que vencem o IPVA, o IPTU e o Imposto de Renda da Pessoa JurÃdica).
Mesmo assim, a evolução da carga tributária no primeiro trimestre dos últimos quatro anos preocupa: 36,74% em 2000; 38,02% em 2001; 39,06% em 2002; e 41,23% em 2003. As estimativas são de que, na média, o percentual atinja 39% do PIB este ano, outro recorde histórico, considerando que esse percentual já foi de 25% em 1993.
A preocupação não é só pelo percentual em si. 40% do PIB já seria muito se todos pagassem imposto, uma vez que é a maior taxa do continente americano (no Canadá é 35%, nos EUA 30%, no México 18%, na Venezuela 16%, no Chile 17%). Ocorre que a maioria não paga e quem paga tudo termina ficando em desvantagem competitiva.
Se fizermos uma estimativa conservadora de que para cada real arrecadado outro deixa de sê-lo (há quem fale na proporção de 2 para 1), terÃamos uma carga real de 80%, absolutamente impossÃvel para um paÃs que precisa de poupança para investir e crescer. Resultado: como a carga é alta, fica atraente encontrar uma maneira de não pagar, deixando quem paga em situação difÃcil porque paga, no mÃnimo, dobrado.
Tratar desse entrave à sanidade fiscal do paÃs e distribuir a carga tributária de forma mais eqüitativa (mais contribuintes e menos impostos) deveria ser o principal objetivo da Reforma Tributária, acordada pelo governo federal com os governadores e encaminhada pelo presidente Lula ao Congresso Nacional. Todavia, o resultado das primeiras análises do projeto enviado é decepcionante. Apesar de corretas, as medidas propostas são inócuas do ponto de vista das mudanças estruturais necessárias. Não só a questão central da equidade fiscal não foi tocada como a estimativa é de que a carga fiscal aumente ainda mais, sem a menor perspectiva de redução no horizonte próximo:
âEmbora o programa do PT tenha insistido no exagero da carga tributária no paÃs, não há nenhum espaço para redução à vista. Muito provavelmente, o governo só terá condições de enxugar o tamanho da sua mordida daqui a pelo menos uma década.â?
André Lahoz, jornalista, Portal Exame, 02.06.2003