Palocci prova que liderança é maisimportante que conhecimento técnico

 
Em meio ao aquecido debate sobre a economia do país – juros altos, crescimento negativo, arrocho fiscal etc. – sobressai a postura, um tanto ou quanto olímpica, do ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
A surpresa inicial, devida ao fato de ele ser médico e, não, economista, já está de tal modo dissipada que não fora a sua própria insistência em fazer ironia usando metáforas da medicina para explicar o esforço do governo no enfrentamento dos males da nossa combalida economia, e ninguém mais lembraria desse “desvio” original de função.
O interessante é que essa boa performance inicial, independente do fato de concordarmos ou não com a natureza da política adotada, remete a uma reflexão bem pertinente à moderna gestão organizacional: para dirigir uma determinada área, é indispensável ser especialista na matéria de que ela trata? Vale dizer: para dirigir um hospital, é preciso ser médico? Ou ser engenheiro para dirigir uma construtora, por exemplo?
Embora, na teoria, a resposta politicamente correta seja não, na prática a conversa é outra. O preconceito de que para gerenciar especialistas, só o maior especialista de todos é, ainda, muito mais arraigado do que se possa imaginar à primeira vista. Russel Ackoff, consultor e professor norte-americano, um dos mais conceituados estudiosos do planejamento e da gestão empresarial, dá uma pista interessante sobre as origens desse preconceito:

“No século XIX, os chefes eram sempre escolhidos por serem os melhores em seu ofício e supervisionavam subordinados com baixo grau de escolaridade. Hoje em dia, muito subordinados, com alta escolaridade e conhecimento do ofício, sabem seu trabalho melhor que os chefes. Então, a função desses gerentes não é supervisionar – é liderar, fazer com que o subordinado renda o máximo.â€?

Russel Ackoff, Gazeta Mercantil, 27.03.1999

A precisa observação de Ackoff, mais do que esclarecer sobre a origem do preconceito, avança na elucidação de onde está o “x” da questão. Hoje em dia, com subordinados mais qualificados para fazer frente às exigências da competitividade, o gerente não consegue exercer o seu papel fundamental pelo predomínio do conhecimento técnico específico mas, sim, pelo exercício da liderança sobre técnicos mais especialistas do que ele.
Quando era ministro da Fazenda (1967-1974), o atual deputado paulista Antonio Delfim Netto, então um jovem economista, em episódio testemunhado pelo deputado pernambucano Osvaldo Coelho, então secretário estadual da Fazenda, respondeu do seguinte modo à pergunta sobre o segredo do seu desempenho à frente de um ministério tão exigente (na época ele chegou a ser chamado de “o czar da Economia”):

“O segredo é que todos os meus subordinados são tecnicamente melhores do que eu.â€?

Delfim Netto

Saber liderar competências técnicas maiores que as suas, essa a grande capacidade requerida do gerente contemporâneo (além, claro, de outras, não técnicas, específicas da função gerencial que podem ser checadas no Gestão Hoje número 281).
Palocci vai tendo até agora, à frente do Ministério da Fazenda, desempenho similar, com “sinais” trocados, ao do economista José Serra quando ministro da Saúde (a sua, foi considerada uma das melhores administrações da história do Ministério). Dois exemplos recentes de que, para a boa gestão, liderança (junto com inteligência e bom senso, claro) é mais importante do que conhecimento técnico.

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