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Na semana passada, o ministro da Fazenda Antônio Palocci, fiel ao seu costume de fazer ironia com o fato de ser médico e, não, economista, disse que o Brasil havia saÃdo “definitivamente da UTI” e que o risco de descontrole inflacionário havia sido “debelado”.
Ao usar essa imagem hospitalar, ele estava se reportando ao próprio anúncio de sua investidura no Ministério, feita pelo presidente eleito Lula durante viagem aos EUA, antes da posse, em dezembro do ano passado:
âPor saber que a economia brasileira está na UTI, eu coloquei um médico para ser ministro da Fazenda.â?
Luiz Inácio Lula da Silva, Washington, 10.12.2002
Os principais indicadores dessa situação crÃtica eram, na época, o risco-paÃs ter chegado próximo aos 2.500 pontos, o preço do C-Bond ter caÃdo abaixo de US$ 0,50, o dólar ter subido a quase R$ 4,00 e a inflação ter disparado, no atacado, em direção ao patamar dos 30% ao ano. Tudo isso acompanhado da maior restrição de crédito externo da história do paÃs.
Assumindo o governo e, portanto, o comando da economia, com um quadro dessa natureza, a imagem só poderia ser mesmo de UTI, sobretudo no que diz respeito às alturas em que andava a inflação.
O “núcleo-duro” que assumia o governo tinha a compreensão, mais do que correta, de que, apesar da eleição ter-se dado sob o signo das mudanças, sobretudo no que diz respeito ao desenvolvimento econômico, se a inflação fugisse ao controle Lula não concluiria o seu mandato. Parece exagero, mas não é. A mensagem das urnas, embora não muito clara nesse aspecto, foi de avanço mas com a preservação da grande conquista da era do real: a estabilidade monetária.
ImbuÃdos dessa convicção, foram mais realistas do que o rei: deram, sob o comando de Palocci, um aperto monetário e fiscal na economia maior do que o deixado por FHC. O principal instrumento desse aperto (o “remédio” adotado) foi a elevação da taxa básica de juros que permanece num patamar elevado em termos reais (descontada a inflação). Usaram, inclusive, os juros como uma espécie de “bode” na sala (ver a respeito o Gestão Hoje número 433).
A gritaria contra essa polÃtica tem sido muito grande, justamente por conta de seus efeitos colaterais: recessão, desemprego, queda da renda. Só em relação à renda do trabalhador, os últimos números dão conta de uma queda da ordem de 15% na comparação de maio/2002 com maio/2003.
Ao promover o corte de 0,5 ponto percentual na taxa de juros na última reunião do Copom, o governo parece ter iniciado o seu caminho de volta do aperto. E quando Palocci fala da saÃda da UTI está de olho na sensÃvel melhora dos “sinais vitais”: risco-paÃs na casa dos 700 pontos; o C-Bond (principal tÃtulo da dÃvida externa brasileira) negociado acima dos US$ 0,90; o dólar abaixo dos R$ 2,90; e, o mais importante, o IGP-M de maio com crescimento negativo de 1% (chegou a 5,19% positivos em novembro/2002).
Hoje, quem define bem a situação é Ricardo Carneiro, professor e economista do Centro de Estudos de Conjuntura e PolÃtica Econômica – Cecon, da Unicamp (SP):
âDo ponto de vista dos indicadores financeiros, saÃmos da UTI, como disse o ministro, mas do ponto de vista dos indicadores sociais permanecemos nela.â?
Ricardo Carneiro, Valor Econômico, 27.06.2003
ConcluÃdos os seis primeiros meses do governo Lula, estamos, mais uma vez ao longo da história recente do paÃs, imaginando ter chegado ao fim de um perÃodo de ajustes e vislumbrando o inÃcio de um ciclo virtuoso de desenvolvimento. Tomara que não seja mais uma miragem alimentada pela nossa permanente esperança em dias melhores.