Há uma idéia atualmente muito em voga, repetida à exaustão, que apenas faz lembrar a reconfortante frase de Anatole France, prêmio Nobel de Literatura de 1921:
“Se cinqüenta milhões de pessoas falarem uma tolice, ainda será uma tolice.”
Anatole France, 1844-1924, escritor francês
A tolice em questão é a afirmativa sobre a posição de profissionais quanto ao seu futuro: “a lealdade à carreira deve ser maior que a lealdade à empresa“.
A inadequação da assertiva está, em primeiro lugar, para quem conhece a realidade organizacional, em sua clara agressão à lógica tendente a majoritária nas atuais relações cliente-empresa: cada vez mais os clientes e consumidores estão em busca de confiança e lealdade. E não pode haver relação de lealdade cliente-empresa, sem lealdade mútua empresa-funcionário.
Em segundo lugar, porque é uma proposição assentada num pressuposto de individualismo exacerbado que, se predominante, implantará a lei do “salve-se quem puder” nas relações comerciais, com os bons profissionais sempre à espreita do melhor lance.
É verdade que toda essa história de “lealdade à carreira” ganhou força depois que nos anos 90 disseminou-se a doutrina da reengenharia e do downsizing, sinônimos, em muitos casos, apenas, de corte de pessoal e de estruturas, em detrimento da qualidade das relações com clientes e empregados.
Se, por um lado, foi importante a idéia de que o empregado deveria ser proativo em relação futuro para não ficar à mercê de políticas predatórias, por outro o exagero levou à conversa duplamente suicida de “lealdade à carreira”, sobrepondo-se à lealdade à empresa.
Jerry Porras, co-autor junto com James Collins do excelente livro “Feitas para Durar”, já advertia em 1998:
“… muitas organizações incentivam a idéia de que você não vai estar trabalhando lá nos próximos cinco anos. Quanta estupidez! Que tipo de comprometimento um funcionário vai ter comigo, se afirmo que daqui a cinco anos ele não vai estar mais empregado? Com o sucesso de quem estará comprometido? Não o da companhia, mas apenas o próprio.”
Jerry Porras, revista Exame, 21.10.98
A “cadeia da lealdade” empresa-funcionário-cliente é imprescindível à competitividade e deve ser objeto de diligente trabalho de montagem e manutenção. Sem ela, o futuro de qualquer empresa, por mais forte que pareça ser no presente, está irremediavelmente comprometido, como adverte com muita propriedade Frederick F.Reichheld, consultor norte-americano, autor do livro “Princípios da Lealdade”, editado no Brasil pela editora Campus:
“Uma empresa não pode crescer sem a lealdade dos clientes. E não pode construir a lealdade dos clientes sem funcionários leais.”
Frederick F.Reichheld, HSM Management, set/out 2003
É, justamente, por perceberem essa verdade elementar que muitas empresas estão preocupadas em se tornarem “bons lugares para trabalhar”, como atesta o interesse crescente pela pesquisa e pela publicação da revista Exame sobre o assunto. Na verdade, estão preocupadas com o desenvolvimento da sua atratividade, ou “empresabilidade” (um neologismo ruim mas que ajuda a ilustrar o que seria o equivalente empresarial de “empregabilidade”).
Se não considerarem isso, os “leais à carreira” ficarão sem carreira porque, cada vez menos empresas os contratarão sabendo do pouco futuro de suas relações. Portanto, é preciso cuidado com a conversa de desfocar a lealdade. Com o foco adequado, ela é fator-chave, tanto para a competitividade empresarial quanto para a profissional.