Mesmo antes de assumir o governo, o staff do candidato eleito Lula sabia que a sobrevivência política do primeiro governo federal do PT estava intimamente relacionada à vitória sobre a inflação em 2003.
Despertada em meados de 2002 em decorrência do clima de instabilidade econômica instalado pela disputa eleitoral e pela conseqüente escalada do dólar, a inflação ameaçava anualizar-se acima dos 20% e lançava perspectivas sombrias em direção ao ano de 2003.
Se falhasse no esforço de fazer os índices retornarem para baixo da barreira psicológica dos dois dígitos (menos de 10% ao ano), o novo governo teria drasticamente reduzidas suas margens de manobra e ficaria refém do insucesso econômico. Por isso, não hesitou em aumentar os juros nem em elevar o superávit primário para 4,25% do PIB. O resultado foi um aperto fiscal sem precedentes com três efeitos colaterais bem marcantes: (1) juros reais altíssimos (os mais altos do mundo); (2) recessão; e (3) aumento do desemprego.
“Com um crescimento inferior a 1%, Lula terá produzido 1 milhão de novos desempregados em seu primeiro ano de governo. O candidato que sugeria a criação de 10 milhões de postos de trabalho em quatro anos…”
Elio Gaspari, jornalista
Como se pode ver pelas reações que pipocam na mídia, o caminho seguido não deve ter sido (nem está sendo) uma escolha fácil para o governo. As contestações e as acusações de traição aos ideais e às promessas de campanha vêm de todos os lados. Dos “radicais” do partido aos intelectuais da academia; dos “companheiros” da aliança governista aos parlamentares da nova oposição; da mídia “progressista” aos empresários “conservadores”.
Todos parecem pedir “pressa” ao governo na queda dos juros, na iniciativa econômica, na retomada do “crescimento”. Até o próprio presidente, às vezes não consegue se conter e faz promessas do tipo “início para já do espetáculo do crescimento”, com queda rápida dos juros e aumento vigoroso das exportações, retomada das contratações etc.
Toda essa pressa, apesar de meio irrealista, aponta, todavia, para algo que parece ter se tornado um lugar comum na sociedade: não há solução para os nossos problemas recorrentes fora de uma rota firme de desenvolvimento sustentado que permita ao país crescer, com segurança, de forma não interrompida, por anos seguidos. Fora deste caminho, as perspectivas são ruins e as pessoas começam a perceber isso, com uma clareza antes inexistente. Daí, por certo, a insistência da cobrança ao governo.
“A tarefa da construção do círculo virtuoso do crescimento sustentado é desafiadora e complexa mas é possível e pode ser empreendida com êxito se houver determinação e clareza de objetivos.”
Luciano Coutinho, economista Unicamp
Retomar a rota do desenvolvimento sustentado (na casa dos 4% a 5% ao ano, por anos seguidos) é o próximo desafio que se coloca de forma inequívoca para o governo Lula, depois de superado o do controle da inflação. Só assim voltará a dar a sensação de que está fazendo o que prometeu. Para isso, todavia, é indispensável ir além do ajuste fiscal realizado.
“Asseguradas essas duas premissas (inflação baixa e solidez fiscal) é essencial completar a construção de uma imprescindível terceira condição: a da redução duradoura da vulnerabilidade externa da economia.”
Luciano Coutinho, economista Unicamp
Sem essa redução, todo o esforço interno feito pode ir por água abaixo logo que pintar uma nova crise externa.