O clima de otimismo exagerado com os rumos da economia que parte da mídia nacional, incentivada por fontes oficiais, dentre as quais o próprio presidente da República, transmitia desde o final do ano passado, sofreu um abalo importante nos últimos dias.
“Nós estamos vivendo um momento de angústia. Em uma semana dá a impressão de que o Brasil, que estava no paraíso, já agora está passando para o purgatório.”
Delfim Netto, Gazeta Mercantil, 04.02.2004
Tudo começou quando o Banco Central, na reunião do Copom de janeiro, resolveu manter inalterada a taxa básica de juros (16,5% ao ano), interrompendo a série de reduções mensais que vinha promovendo ao longo de 2004. Depois, agravou-se quando o Fed divulgou o seu arrazoado para a manutenção da taxa básica dos juros norte-americanos no mesmo patamar (1% ao ano).
“…a inesperada mudança de posição do Fed na reunião do seu comitê de política monetária em janeiro. Apesar de manter inalterada a sua taxa de intervenção, ele retirou o compromisso de manter a sua política de acomodação da situação monetária por um tempo indeterminado, devolvendo algum grau de incerteza em relação ao comportamento dos juros no futuro.”
Luiz Carlos Mendonça de Barros, FSP, 06.02.2004
Esse aparente pequeno detalhe foi suficiente para que os investidores que trabalham com papeis de risco, como são os títulos de países emergentes, promovessem uma revisão importante nos seus preços (o risco Brasil subiu de 400 para 500 pontos, numa correção de 25% em poucos dias).
Com a junção dos dois movimentos dos Bancos Centrais, brasileiro e norte-americano, o mercado local se agitou, a trajetória de crescimento da Bolsa de Valores (que chegou a atingir 25 mil pontos) interrompeu-se e o nosso Banco Central passou a fazer operações desencontradas no mercado, deixando desnorteados os investidores e os especialistas.
Para o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, mais do que a “passagem para o purgatório”, de que fala Delfim Netto, o que se deu foi a abertura da “porta do inferno”.
“Se alguém tinha dúvida sobre a existência de uma relação direta entre o risco dos países emergentes e a política de taxa de juros americana, esse movimento deve servir como um alerta. Essa relação independe do ministro Palocci, de sua equipe e da credibilidade da política econômica do governo Lula. Ela está arbitrada pelo mercado e assim será daqui para a frente. Esse primeiro movimento do Fed serviu para que a porta do inferno que nos espera fosse aberta e todos pudessem ver o que deve acontecer em futuro desconhecido, mas próximo.”
Luiz Carlos Mendonça de Barros, FSP, 06.02.2004
O receio de Mendonça de Barros é o mesmo da maioria dos economistas que vêem na provável alta dos juros norte-americanos uma ameaça séria para os países emergentes. Como as letras do Tesouro do EUA, consideradas as aplicações financeiras mais seguras do mundo, são reguladas pela taxa básica de juros controlada pelo Fed, qualquer aumento torna-as mais atraentes e desvia os recursos que, hoje, estão vindo para os países emergentes, dentre os quais o Brasil, em busca de remunerações melhores.
Como o Brasil, dada a sua vulnerabilidade externa, precisa de dólares para pagar os compromissos assumidos, sofreria muito com esse desvio (ver números 462 e 463). Vamos torcer para que o pior não ocorra e o país tenha condições de se preparar melhor para a mudança do tempo.