Quem tem responsabilidadenão consegue ficar "sossegado"

 
 
 
A cada dia que passa aumentam as argumentações a favor da melhoria da “qualidade de vida”. Livros, artigos, programas de TV, revistas temáticas, vídeos etc. Tudo ressaltando a importância de se procurar levar uma vida pessoal saudável, com alimentação adequada, atividades físicas regulares, boas doses de lazer e tranqüilidade espiritual.
Essa tendência é muito bem vinda na medida em que funciona como um salutar contraponto à tirania da carreira acima de qualquer coisa que produziu gerações inteiras de workaholics pelo mundo afora. Todavia, como toda idéia que entra na moda, há o risco, não desprezível, da esteriotipação da tese. Ou seja, do “descolamento” dos argumentos usados daquilo que acontece, de fato, na nossa vida real. Quando isso ocorre, tende a gerar, em contrapartida, reações indignadas como é o caso da opinião de Martin Sorrell, controlador da maior holding da propaganda no mundo, a WPP:
“A questão da qualidade de vida é uma grande bobagem. É uma válvula de escape para quem não está contente com a vida que tem. Nada é estressante quando se faz aquilo de que se gosta. Para mim, o que se chama de qualidade de vida é sofrimento. O stress do trabalho é menos prejudicial à saúde que a superficialidade e a culpa da chamada qualidade de vida.”
Martin Sorrell, publicitário inglês, Veja, 08.05.2002
Esse é, justamente, o risco das radicalizações e da adoção de teses sem questionamento: gerar contraposições ferozes que terminam por exagerar em sentido contrário.
O fato é que a observação cuidadosa da realidade, sempre conflituosa, por mais “ajustada” que pretenda ser, da relação entre o trabalho e a vida pessoal, deixa evidente a impossibilidade de eliminação completa do estresse e da pressão na vida cotidiana, como parece advogar ou sugerir a abordagem propagandística e, no final de contas, caricata, da qualidade de vida a qualquer preço. Por melhor que seja o resultado obtido na relação trabalho x vida pessoal, o máximo que se consegue é administrar a pressão e o estresse, nunca eliminá-los.
Dentre outras razões, isso acontece porque, cada vez mais, estão desaparecendo as fronteiras, antes muito nítidas, entre trabalho e vida pessoal. Diz Peter Drucker que hoje somos “trabalhadores do conhecimento”.
“O centro de gravidade da força de trabalho está mudando do trabalho especializado para o trabalho do conhecimento.”
Peter Drucker, guru da Administração
O trabalhador do conhecimento leva o seu trabalho na cabeça e não tem como deixá-lo no escritório ou na fábrica quando vai para casa ou, mesmo, sai de férias. Nem mesmo quando dorme porque, afinal, pode terminar sonhando com ele. Domenico De Masi, autor do conceito do “ócio criativo” (que se transformou na tese central de sua argumentação), defende que não só não é possível separar trabalho de lazer como é preciso aprender a lidar com eles de forma mais integrada.
“Para ser feliz no trabalho, é necessário transformar o trabalho em ócio criativo: isto é um mix de trabalho (para produzir riqueza), estudo (para produzir conhecimento) e jogo (para produzir alegria).”
Domenico De Masi, sociólogo italiano
O nosso desafio, portanto, não é correr atrás de mais “qualidade de vida” como se ela fosse possível separada do trabalho mas, sim, aprender a lidar de forma mais articulada com essas dimensões essenciais da vida. Afinal, quem assume responsabilidades profissionais, assume também compromisso com outras pessoas e quando isso ocorre não é possível, no limite, ficar completamente “sossegado”, mesmo “fora” do trabalho.

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