Tancredo Neves, Ulisses Guimarães e Leonel Brizola talvez tenham sido os únicos políticos brasileiros que, tendo tido atuação importante no período anterior ao regime militar de 1964, desempenharam, também, papéis de relevo no processo de redemocratização pelo qual passou o país na década de 80.
Tancredo e Ulisses, além de figuras de proa do antigo PSD, foram, respectivamente, primeiro-ministro e ministro do Trabalho na década de 60. Depois, foram na década de 80, governador de Minas e presidente eleito do Brasil (Tancredo) e presidente da Câmara e da Assembléia Nacional Constituinte (Ulisses). Brizola, depois de deposto e exilado como governador do Rio Grande do Sul em 64, foi duas vezes governador do Rio de Janeiro e várias vezes candidato à presidência da República.
Dos três, Tancredo foi o que, de longe, aliou com maior maestria e eficácia, sem desprezo da competência dos demais contemporâneos, os dons do exercício da política como arte da negociação. Dele disse o adversário da UDN, descendente do conselheiro do Império, e ex-deputado por Minas Gerais:
“O Tancredo é um político capaz de tirar as meias sem tirar os sapatos.”
José Bonifácio de Andrada e Silva
Sua trajetória política é um exemplo eloqüente dessa competência que o levou, em 50 anos de vida pública pacientemente construída, da Câmara Municipal de São João Del-Rei à eleição indireta para a presidência da República, depois de ter conseguido capitalizar a extraordinária energia cívica liberada pelo movimento Diretas Já. Tudo, como ele mesmo destacava, conseguido pelo diálogo e pela construção de acordos políticos celebrados em níveis elevados (ver GH número 527).
Por ter praticado como poucos a arte da conversação política, preferindo, em larga medida, o cochicho privado à declaração pública, muitas das frases e casos que lhe são atribuídos, ficaram sem registro oficial, propagando-se mais pelo testemunho dos que viram e ouviram do que pelo registro oficial da imprensa. Dizem ser dele essa frase definidora de uma filosofia de atuação política:
“Em política não se deve estar tão distante do adversário que não se possa vir a tê-lo como aliado, nem tão próximo do aliado que não se possa vir a tê-lo como adversário.”
Tancredo Neves
São também atribuídas a Tancredo muitas histórias que ilustram sua forma típica de agir. Certa feita, procurado por um correligionário que queria fazê-lo refém de um segredo dizendo que só contaria mediante a condição de que “Dr. Tancredo não falasse para ninguém”, teria dito ao interlocutor:
“Meu filho, então não me conte. Se você que é dono do segredo não consegue guardá-lo, muito mais difícil será para mim que não tenho nada a ver com ele.”
Tancredo Neves
Outra vez, procurado por um correligionário que se dizia preocupado porque não sabia mais o que dizer às pessoas que lhe perguntavam se ia ocupar determinado cargo no governo de Tancredo, respondeu:
“Não se preocupe meu filho, diga que eu lhe convidei e você recusou.”
Tancredo Neves
Antes de ir ao colégio eleitoral, alguém lhe perguntou se não tinha medo da fama de imbatível de que gozava seu adversário Paulo Maluf nesse tipo de disputa. Respondeu de uma forma que soaria como uma espécie de confissão de imodéstia mas também como uma verdade inquestionável:
“Até agora ele só enfrentou amadores, não enfrentou ninguém profissional.”
Tancredo Neves