Vale a pena observar o que faz aIgreja Católica para manter-se tão influente


João Paulo II, mesmo depois de morto, continuou arrebatando multidões, consolidando o título de maior comunicador da era global. A população de Roma (2,7 milhões de habitantes) dobrou durante seu velório e mais de um milhão de pessoas passaram pela frente do corpo exposto na Basílica de São Pedro. Ao enterro compareceram mais de 200 chefes de estado e de governo e a missa de corpo presente foi assistida por uma multidão estimada em 500 mil pessoas na Praça de São Pedro e nos arredores do Vaticano.
Em meio a essa gigantesca mobilização, todavia, o que o mundo também observou impressionado foi a precisa organização das cerimônias fúnebres e a rígida normatização do ritual de escolha do sucessor, aperfeiçoada pelo próprio João Paulo II, mas que tem pelo menos 700 anos de idade.
Uma pergunta que se recoloca diante da visualização dessas imagens: que instituição é essa que mantém suas tradições e, ao mesmo tempo, consegue sobreviver há tanto tempo e de forma tão intensa? Uma instituição que conheceu altos e baixos mas que desenvolveu ao longo do tempo uma impressionante capacidade de sobreviver às adversidades e de influir, não raro de forma decisiva, nos destinos da civilização ocidental.
Conta a lenda que o líder soviético Stálin, na conferência de paz de Yalta que tratou da redivisão da Europa depois da vitória dos aliados na 2a Guerra, em 1945, teria respondido assim a uma pergunta sobre se não se deveria consultar o papa Pio XII acerca de uma determinada questão que estava sendo discutida:
“O papa? Quantas divisões tem o papa?”
Joseph Stálin, 1879-1953, líder soviético
Na época desta pergunta o papa não contava com nenhum contingente militar além dos menos de cem integrantes da alegórica Guarda Suíça com seus uniformes desenhados por Michelangelo e suas lanças de enfeite. Todavia, por ironia do destino, décadas depois, seria o papa, ainda sem nenhum poder militar, um importante protagonista na derrocada do império soviético com suas incontáveis divisões blindadas e seu enorme arsenal bélico, inclusive atômico.
Evidente que, para isso e para as inúmeras outras intervenções políticas e sociais da Igreja no último quarto de século, pesou a dimensão moral e midiática do papa João Paulo II. Todavia, por trás dele estava todo o peso do prestígio da Igreja Católica.
Um prestígio construído como resultado de uma impressionante saga que começou de forma singela numa remota província conquistada pelo Império Romano, chegou à capital, foi ferozmente perseguida, vicejou nas catacumbas romanas, foi assumida oficialmente pelo império, sofreu o cisma protagonizado pela igreja ortodoxa, protagonizou os horrores da inquisição, foi alvo da reforma luterana, fez a contra-reforma e terminou firmando-se como uma das referências espirituais da humanidade.
Nessa trajetória, em termos de sobrevivência, cometeu mais acertos do que erros e constitui-se, sem sombra de dúvidas, numa referência para estudo da capacidade de permanência de uma organização através dos tempos. A Igreja Católica, ao longo de sua trajetória, tem pautado a continuidade pela tentativa constante de compatibilizar a conservação com, embora não pareça, a inovação. Ainda que seja uma inovação, se é que se pode dizer assim, pautada pela conservação.
“Um empreendimento que não inova, quer se trate de uma empresa ou de qualquer outra instituição, não sobrevive por muito tempo.”
Peter F. Drucker, guru dos gurus da Administração
Talvez seja essa a razão do seu sucesso de permanência: conservar o que considera essencial e fazer os ajustes de rota quando as circunstâncias requerem. Fez isso com João Paulo II e precisa fazer agora, também, na sua sucessão. Vamos observar o que acontece. Vale a pena.

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