Nesta quarta e última edição do Gestão Hoje sobre a sucessão do papa João Paulo II (ver números 529, 530, e 532), vale a pena concluir com algumas considerações sobre a organização e os desafios do novo pontífice em relação à gestão desta instituição tão antiga como complexa de dirigir que é a Igreja Católica.
Toda a movimentação e divulgação em torno da morte, sepultamento e sucessão de João Paulo II aguçou a curiosidade geral em relação a diversas facetas da Igreja, dentre as quais a sua estrutura e a forma como é gerida.
Do ponto de vista organizacional, a Igreja Católica é, como bem destaca a revista Dinheiro, uma multinacional. Aliás a maior e, de longe, a mais antiga delas, presente em 270 países, com mais de 1 bilhão de simpatizantes. É dividida, desde a base até o topo, em paróquias, dioceses, conferências nacionais e a Santa Sé que funciona como uma espécie de governo central ou, na linguagem empresarial, como uma holding. A sede (o Vaticano) é, ao mesmo tempo, uma cidade-estado e, desta forma, um país encravado em plena Roma. O Vaticano é, do ponto de vista político, uma monarquia despótica governada por um soberano (o papa) que, dentro de suas fronteiras, tem a plenitude dos poderes legislativo, executivo e judiciário.
“A Igreja Católica não é uma instituição democrática. É uma monarquia não-dinástica, o soberano é eleito por um colegiado, como nos regimes parlamentaristas, mas os cardeais que o compõem não são eleitos pelo povo.”
Carlos Heitor Cony, FSP, 11.04.2005
Sua gestão, dada a extensão territorial, a longevidade e a peculiaridade do seu objetivo-fim, é algo de grande complexidade, sobretudo no que diz respeito às finanças.
“Sua santidade o papa Bento XVI assume uma empresa com sérios problemas materiais. Economicamente falando, o Vaticano padece sob as leis de mercado. O número de católicos diminui nas principais nações industrializadas do mundo, trazendo menores receitas aos cofres da casa.”
Osmar Freitas Jr., revista Istoé, 27.04.2005
Além das inescapáveis questões de natureza doutrinária, já por si sós de grande envergadura, o novo pontífice terá pela frente a missão complementar, e nada desprezível, de reverter o quadro de déficits recentes nas contas da Santa Sé. Nos últimos três exercícios divulgados (2001, 2002 e 2003) a administração da Igreja fechou no vermelho, apesar da grande esforço de organização e transparência levado a efeito durante o pontificado de João Paulo II.
Logo após assumir, Karol Wojtyla foi surpreendido por problemas financeiros que tiveram seu auge no rumoroso episódio de falência do Banco Ambrosiano envolvendo o Banco do Vaticano, a loja maçônica P2 e a máfia italiana, num caso que teve até a morte do presidente do banco falido (Roberto Calvi) por enforcamento em Londres. Por conta do envolvimento o Vaticano teve que desembolsar US$ 244 milhões para pagamento aos credores do Ambrosiano. Depois disso, o papa deu partida a uma série de modificações que culminou com a nomeação do cardeal norte-americano Edmund Szoka de Detroit, em 1990, para a Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé e do banqueiro italiano Ângelo Caloia para o Banco do Vaticano.
Acostumado a lidar com as questões da doutrina e da fé, o cardeal Ratzinger terá também que se debruçar sobre assuntos mais terrenos como a gestão operacional e financeira da Igreja Católica que, como qualquer outra instituição secular, precisa de profissionalismo e competência para funcionar e sobreviver.