A revista Veja desta semana traz como matéria de capa o tema da corrupção e afirma: “corrupção – estamos perdendo a guerra contra essa praga”.
“Se o combate à corrupção fosse uma maratona, o Brasil seria um competidor medíocre, daqueles que ficam com a língua de fora antes da metade do percurso. No ranking que acaba de ser divulgado pelo Banco Mundial, o país aparece com 53,2 pontos na escala de controle da corrupção, que vai de zero a 100.”
Revista Veja, edição 1.906
De fato, não só o Banco Mundial mas todas as instituições que medem os níveis de transparência das relações público/privadas no mundo, apontam o Brasil como um dos países onde os índices são os piores, o que contribui particularmente para o comprometimento de sua própria avaliação competitiva (ver a propósito o Gestão Hoje número 506).
Claro que isso não se dá por motivos sobrenaturais ou inexplicáveis mas, sim, por razões históricas, hoje bem caracterizadas. O escritor João Ubaldo Ribeiro, em excelente entrevista recente na própria Veja dá algumas pistas:
“Nós somos um país cuja colonização se deu em moldes muito diferentes dos da colonização dos Estados Unidos, nação à qual somos freqüentemente comparados. (…) Eles vieram para nunca mais voltar (…) No Brasil isso nunca ocorreu (…) Convinha manter aqui um controle rígido, diferentemente dos americanos, que de costas para a Europa criavam suas próprias leis (…) Os portugueses não tinham estrutura para isso (…) O domínio dos portugueses ocorreu de maneira desordenada, desregulada, importando caoticamente a burocracia lusitana, com a corrupção que essa burocracia gera.”
João Ubaldo Ribeiro, Veja, 18.05.2005
No Brasil, como frisa o próprio João Ubaldo, “construiu-se toda uma visão de mundo centrada na ação estatal”, o que contribuiu de forma decisiva para a disseminação generalizada da “praga”, para usar a expressão da revista Veja, da corrupção em todos os níveis da vida pública (e privada também) nacional. É tão grande e tão disseminado o problema que dá margem a comentários bem humorados.
“Os corruptos são encontrados em várias partes do mundo, quase todas no Brasil.”
Millôr Fernandes, jornalista brasileiro
Brincadeiras à parte, a situação é, sem dúvida, preocupante. O recente episódio, gravado em som e vídeo, de um dirigente de empresa estatal recebendo propina em espécie, a título de “adiantamento”, e guardando no bolso (talvez a primeira gravação deste gênero divulgada pela televisão), de tão primário, chega a parecer montagem. A sua simples visão nos leva a imaginar que a coisa descontrolou-se de vez, sobretudo por ocorrer no governo de um partido que durante toda sua existência pregou a postura ética na vida pública e condenou explicitamente a corrupção.
Todavia, refeitos da espanto ocasionado pela desfaçatez dos envolvidos no episódio filmado, podemos refletir melhor e concluir que o ocorrido não é evidência de aumento da corrupção mas, sim, do aumento da exposição. E que isso é positivo na medida em que contribui para aumentar a mobilização pública pela punição e induzir a criação de regras preventivas. Infelizmente no Brasil as mudanças, apesar de acontecerem, são muito lentas (ver a propósito GH/516). Mas acontecem. O que preocupa mesmo no episódio é a piora da qualidade, já sofrível, da coordenação política do governo com a instalação de uma CPI dos correios.