CPI dos Correios coloca em testepresidencialismo de coalizão brasileiro


O jornalista Ariosto Teixeira descreveu no jornal Estado de São Paulo uma cena que pode ser vista como uma espécie de ilustração da dificuldade de coordenação política e, por conseguinte, de governo no Brasil.
“Quando ficaram a sós pela primeira vez, depois da posse na presidência e vice da República no primeiro dia de janeiro de 1994, por um momento Fernando Henrique Cardoso e Marco Maciel permaneceram calados. Em seguida, o presidente sorridente com o coroamento da vitória, perguntou ao companheiro de chapa: ‘e agora, Marco, como vamos governar?’.”
Ariosto Teixeira, ESP, 18.06.2002
O ex-presidente referia-se, então, ao fato de que a aliança eleitoral que os levou ao governo, formada pelo PSDB, PFL e PMDB era, além de heterogênea, insuficiente para aprovar no Congresso as mudanças prometidas na campanha. Elas requeriam, quase todas, maioria constitucional de 3/5. Para governar, portanto, precisavam ir além da aliança eleitoral vitoriosa.
“Depois da aliança eleitoral precisavam organizar uma coalizão, isto é, aumentar o número de parceiros do governo abrindo-lhes espaço em cargos relevantes da administração. Nasceu provavelmente nesta hora a expressão pela qual Fernando Henrique e Marco Maciel conceituam o presidencialismo brasileiro e grande parte desse sistema praticado na América latina: presidencialismo de coalizão.”
Ariosto Teixeira, ESP, 18.06.2002
A expressão (“presidencialismo de coalizão”) foi cunhada pelo cientista político carioca Sérgio Abranches para designar uma característica do sistema político brasileiro que o torna bastante exigente em termos de coordenação, como bem destaca outro cientista político, esse mineiro, no Jornal da Unicamp (06 a 12.12.2004):
“Não há ainda na dinâmica partidária brasileira a possibilidade de que, qualquer que seja o presidente, ele possa contar simplesmente com seu partido para governar. É necessário sair em busca de coalizões mais ou menos heterogêneas para ter o apoio adequado no parlamento.”
Fábio Wanderley Reis
É aí, justamente, onde mora o perigo. Num país culturalmente vulnerável à corrupção (ver a propósito o número anterior GH/536), a montagem das maiorias parlamentares são sempre empreitadas arriscadas e custosas. Tão mais arriscadas e custosas quanto menos parlamentares do partido do presidente forem eleitos com ele. Depois da Constituição de 1988, que consolidou o modelo hoje em vigor, esse fenômeno ocorreu com Fernando Collor e, agora, com o presidente Lula.
“O arranjo institucional praticado no Brasil a partir da Constituição de 1988 que combina presidencialismo com representação proporcional e multipartidarismo tem sido adjetivado de ‘explosivo’ por analistas políticos que o consideram propício à produção de crises de paralisia decisória e conducente à ingoverneabilidade.”
Fátima Anastácia, professora UFMG, 28/31.06.2002
É, justamente, esse caráter “explosivo” que agora fica evidente com a aprovação da CPI dos Correios para apurar um caso gravado de corrupção envolvendo um partido da base aliada do governo. CPIs são como guerras, sabe-se como começam mas não se sabe como terminam. Vamos torcer para que no governo Lula, com a indispensável apuração das irregularidades, o exigente presidencialismo de coalizão não se transforme num presidencialismo de colisão. Todos perderíamos com isso.

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