Não é hora de descrer da políticamas sim de exigir uma reforma efetiva

 
Independente da descoberta e da punição dos culpados pelas recentes malfeitorias políticas investigadas pela CPI dos Correios e diversas outras sindicâncias paralelas no âmbito dos poderes legislativo, executivo e judiciário, é indispensável, como assinalado no Gestão Hoje anterior (número 540), aproveitar a crise para avançar na melhoria do arcabouço político do país.
“…as crises, conforme representadas na escrita chinesa, têm sempre um duplo sentido dialético e contraditório. Os dois ideogramas que formam a palavra significam perigo e oportunidade. Eles querem dizer que, ao lado dos estragos que podem produzir, elas possuem também uma dimensão pedagógica e progressista…”
Zuenir Ventura, jornalista, O Globo , 15.06.2005
Punir, cassar mandatos, encaminhar inquéritos à Justiça etc, é importante mas não resolve. Afinal, isso já foi feito antes com Collor, Anões do Orçamento, Escândalo do Painel do Senado e outros mais. Houve avanços, sem dúvida, mas a questão principal terminou ficando intocada: o caos em que se transformaram a legislação e a representação política no Brasil.
“A apuração dos fatos recentes e a punição dos culpados não deverão deixar no esquecimento o desafio maior – a reforma do próprio sistema político nacional.”
Geraldo Majella Agnelo, Folha de S.Paulo 15.06.2005
Em excelente artigo do qual foi extraída a citação acima, D. Geraldo Majella Agnelo, arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, vai ao centro da questão com muita propriedade.
Depois de descrever as razões históricas do desarranjo atual, destaca as questões que são a expressão máxima do problema: (1) a prevalência do poder econômico na eleição dos candidatos; (2) a facilidade para criação de novos partidos; e (3) o excessivo número de cargos em comissão.
“A pulverização de partidos leva a recorrer à troca de votos por concessões e favorecimentos nem sempre de interesse coletivo. Já os quase 30 mil cargos preenchidos por nomeação política pouco contribuem para a coordenação das políticas publicas do governo, porque se tornam moeda de troca para a aglutinação partidária e a formação da base de apoio.”
Geraldo Majella Agnelo, Folha de S.Paulo 15.06.2005
É verdade que as causas da corrupção no Brasil vêm de muito longe (há quem diga que desde a carta de Pero Vaz de Caminha) mas é verdade, também, que os avanços institucionais no país, além de lentos, se dão, para usar a feliz expressão de Darcy Ribeiro, “aos trancos e barrancos” (ver a propósito o Gestão Hoje 516). Por isso, ao invés da atitude de decepção e descrença adotada por muitos, devemos exigir mudanças efetivas.
“…em vez de desacreditar da política, devemos agir em corresponsabilidade, com coragem, lucidez e discernimento num grande mutirão para abrir caminho para um país democrático, justo, desenvolvido e pacífico. (…) Só uma reforma política com a participação da população, baseada em princípios éticos e democráticos, poderá atender às reais necessidades da sociedade”
Geraldo Majella Agnelo, Folha de S.Paulo 15.06.2005
A oportunidade é especial para a realização de mudanças que não seriam feitas tão cedo sem a pressão da crise. Todos temos a responsabilidade de acompanhar e exigir a realização de mudanças que permitam o avanço do processo político. Caso contrário, depois das cassações, só nos resta esperar pelo próximo escândalo.

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