Numa das grandes enchentes do Rio Capibaribe que assolaram a cidade do Recife na década de 1970, o empresário do comércio de tecidos Luiz Gonzaga de Lima Borges, chamado por familiares e amigos de Dosa, transferido de sua casa térrea no bairro da Tamarineira para o primeiro andar de uma casa vizinha, impressionado com a força e altura das águas que invadiam a rua, ia freqüentemente à varanda, olhava a devastação, e repetia um chavão bem ao gosto da imprensa da época:
“O quadro é dantesco. As conseqüências são imprevisíveis. Os prejuízos são incalculáveis…”
Dosa de Lima Borges, empresário pernambucano
Trinta anos depois, esse mesmo chavão pode ser empregado, sem tirar nem por uma só palavra, à situação do governo e do Partido dos Trabalhadores, assolados por uma calamidade não natural mas que tem a força das águas de uma grande enchente ou das ondas sísmicas de um fortíssimo terremoto.
“No PT, a crise é da maior gravidade porque mexe com o patrimônio moral do partido e com o patrimônio da sua história (…) Aceitamos no partido comportamentos inadequados e aí demos razão ao que chamo de venalidade.”
Olívio Dutra, ex-ministro das Cidades, O Globo, 16.07.05
Foi, justamente, esse patrimônio moral que foi destacado durante anos como o grande diferenciador do partido em comparação com os demais. Num país em que todos os outros partidos eram colocados pelo Partido dos Trabalhadores no rol dos praticantes de irregularidades e de atos condenáveis, o PT se posicionava como o único partido ético da política nacional.
“É porque o PT apregoou a falsa idéia de que eram os únicos éticos da política brasileira, que alguns membros do PT passaram a ter comportamento de cometer atos ilícitos e ilegais. Essas pessoas se acreditavam acima da lei.”
Francisco Weffort, Folha de S. Paulo, 23.07.2005
Esse comentário do sociólogo, ex-ministro da Cultura e fundador do PT, chama a atenção para um vício de origem que terminou contaminando o partido: a soberba. Todavia, esse pecado não deve confundir a percepção da importância histórica do partido nos seus 25 anos de vida.
“O PT é uma construção vitoriosa. Nascido do casamento entre o movimento sindical e a Igreja Católica, recebeu a adesão entusiástica de intelectuais, estudantes, funcionários públicos. Cresceu, elegeu vereadores, prefeitos, deputados, senadores, governadores e finalmente conquistou a presidência da República.”
Lucia Hippolito, cientista política, CBN, 12.07.05
Desde a sua fundação que o PT tem cumprindo um papel fundamental na vida política do país ao ocupar uma posição de relevo e desaguadouro de um conjunto expressivo de forças que por ele se vêem representadas.
“Foi o surgimento do PT que permitiu que uma imensa legião de brasileiros participasse da política de forma democrática. Fez com que muitos que pensavam em se expressar politicamente pela luta armada viessem para o campo da política.”
Murillo de Aragão, cientista político, site do Noblat
“Refundar” o PT, como dizem alguns militantes e os novos dirigentes interinos, e evitar que ele venha a submergir pela ação deletéria de uma parcela que não é sua maioria, é um imperativo para a democracia brasileira. Para isso, certamente, precisará “cortar na própria carne” e se penitenciar do pecado da soberba, atuando sem abrir mão da utopia de uma sociedade melhor mas dentro das regras firmes da democracia e da prática da ética de fato, não apenas programática.