Sete meses depois de ter alcançado uma vitória absolutamente surpreendente na eleição para a presidência da Câmara, o deputado Severino Cavalcanti renunciou ao mandato para escapar das acusações de falta de decoro parlamentar que, certamente, lhe custariam a cassação política e a proibição de candidatura pelos próximos oito anos. Para uma pessoa de 74 anos, esse destino significaria o fim da carreira política de mais de 40 anos ininterruptos descritos no discurso de renúncia:
“Fui prefeito de João Alfredo, deputado estadual por sete mandatos durante 28 anos, deputado federal com três mandatos e a votação praticamente dobrando a cada eleição.”
Severino Cavalcanti, 21.09.05
Uma trajetória, diga-se de passagem, característica de uma dedicação em tempo integral à política que nem os adversários lhe negam e que lhe valeu o que chamou no discurso de “verdadeiro empobrecimento ilícito”. Trajetória semelhante, com certeza, à de boa parte, senão a maioria, dos seus colegas de “baixo clero” na Câmara. Sem entrar no mérito das acusações que lhe são feitas nem no conteúdo de sua idéias, há um aspecto, todavia, que o distingue dos companheiros, como foi salientado no GH/524:
“Junto com todas as críticas que possam ser feitas às teses defendidas e opiniões emitidas por Severino Cavalcanti, uma qualidade não se lhe pode negar: ele diz, de forma simples e direta, o que pensa, uma característica raríssima de encontrar em políticos profissionais.”
Gestão Hoje, 28.02.05
Foi, justamente, essa característica pouco comum no meio onde atua que ajudou a levá-lo do céu ao inferno da política em tão pouco tempo. Uma característica que ajudou a jogar luz sobre a forma tradicional de fazer política no Brasil, independente da região ou estado de origem do parlamentar praticante.
Severino Cavalcanti, todavia, no exercício dessa sua peculiaridade, cometeu um erro que se mostraria fatal: esqueceu que quem, de fato, o elegeu para a presidência da Câmara foi a oposição e não os representantes do “baixo clero”. O baixo clero, diante da divisão dos votos dos partidos da base aliada nos dois candidatos lançados pelo PT, contribuiu para levá-lo até o segundo turno. Lá, quem lhe garantiu a vitória foi a oposição com o objetivo de infligir uma derrota política ao governo.
Assim que assumiu, Severino começou a agir como se seu eleitorado fosse apenas o do primeiro turno. O resultado foi um distanciamento progressivo da oposição e uma aproximação do presidente Lula, de quem conseguiu diversas benesses em termos de nomeações, inclusive o Ministério da Cidades, em troca de favores que incluíam entraves aos processos de cassação recomendados em relatório conjunto das CPIs dos Correios e do Mensalão. A gota d’água foi a entrevista de página inteira na Folha de S. Paulo, defendendo o abrandamento das penas para os cassáveis. No dia seguinte, a oposição (seus eleitores no segundo turno) promoveu uma rebelião em plenário cujo destaque foi o deputado Gabeira, mais explícito impossível, no microfone dos apartes:
“Ou V.Exª. começa a ficar calado, ou vamos iniciar um movimento para derrubá-lo.”
Fernando Gabeira, 31.08.05
A mesma oposição que o elegeu tratou de derrubá-lo e, o fez rápido, quando ele entrou na contramão do seu interesse. As lições que se tiram do episódio são as de que determinados erros são fatais, sobretudo quando acompanhados da subestimação do inimigo, o maior dos erros estratégicos, segundo o Tao Te King, o milenar livro da sabedoria chinesa.