No próximo domingo, 23.10, deveremos ir às urnas para responder à pergunta: “O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”. Parece uma coisa simples, responder “sim” ou “não”, mas não é. Trata-se, isto sim, de uma tentativa de simplificação de uma questão demasiado complexa e, o que é pior, sem tempo nem informação suficientes para esclarecimento dos votantes.
“As pessoas podem decidir sobre uma norma, mas não podem resolver questões complexas como o problema da violência apenas votando SIM ou NÃO.”
Mônica Herman Caggiano, USP, Veja, 12.10.05
Não fica suficientemente claro que o que está em questão não é o porte de armas, mas a comercialização. Hoje, o porte já está regulamentado pelo Estatuto do Desarmamento. Só é possível comprar oficialmente arma no Brasil até o calibre 38, quem for maior de 25 anos, sem antecedentes criminais, com teste psicológico que comprove equilíbrio emocional e certificado de curso de manuseio. Com isso, o comprador pode guardar a arma em casa, ou no trabalho. Só pode carregar a arma consigo quem exerce profissão de risco e está exposto a ameaça de vida (policiais, juízes, promotores, seguranças particulares, integrantes das forças armadas). A única exceção é para caça em zonas rurais.
“Se o ‘sim’ ganhar (proibição da compra de armas), quem já tem armas legais e registradas poderá guardá-las, mas não poderá mais adquirir munições.”
Contardo Calligaris, psicanalista, FSP, 06.10.05
Fora os casos previstos, a compra e o porte já são proibidos, portanto. Da forma como a discussão está sendo feita, parece que o que vai ser votado é se as armas devem ou não ser banidas do Brasil e, com isso, banida também a violência. Nada mais enganoso. Carlos Heitor Cony, escritor e colunista da Folha de S. Paulo que, por conta da idade, não é mais obrigado a votar nos dá, mesmo assim, a sua opinião sobre o assunto:
“Se fosse obrigado ao voto, o anularia propositadamente, e lucidamente. Trata-se de um escapismo, uma forma que a tal sociedade ética e transparente encontrou para, mais uma vez, empurrar com a barriga um dos problemas mais agudos do nosso tempo: a violência. Com pequenas alterações, pode-se usar a comparação do termômetro. Proíba-se a compra dos termômetros e não haverá mais febre no país.”
Carlos Heitor Cony, FSP, 06.10.05
Grave também é a tentativa de radicalizar o pouco debate havido, entre os que são apontados como os do “bem” e os do “mal”, como bem destaca a fundadora do movimento antiviolência Basta!, do Rio de Janeiro:
“É lamentável reduzir essa questão a uma coisa entre os que são do bem e votam ‘sim’ e os que são do mal e votam ‘não’. Essa decisão não pode ser encarada com essa primariedade.”
Beatriz Kuhn, psicanalista, FSP, 09.10.05
Conclusão: fomos colocados diante de um referendo inadequado, mal planejado e mal executado que tenta reduzir a uma questão simplista um problema complexo e, por conta disso, força um debate maniqueísta. Um desserviço à sociedade, portanto. Os R$ 250 milhões previstos para serem gastos na sua realização poderiam ser bem melhor utilizados. Quem vai votar, seja de que modo for, deve fazê-lo, portanto, sem nenhuma ilusão. Trata-se de uma formidável perda de tempo e de dinheiro.