Vitória do Não sinaliza protesto duro contra a insegurança pública vigente no país

 
Depois da esmagadora vitória do “Não” no referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munição no Brasil, muita coisa ainda se vai escrever a guisa de “interpretação” do porquê de uma diferença tão gritante. Antes da enxurrada de opiniões que virá, vale a pena registrar as lúcidas palavras do escritor pernambucano Paulo Gustavo no blog “O Olhar da Coruja” (oolhardacoruja.zip.net):
“… o Não reflete o momento de uma sociedade angustiada pela vulnerabilidade do seu direito à Segurança. Como o Estado vem falhando nessa missão constitucional, a sociedade, aproveitando a momentosa circunstância que lhe foi delegada, declara em letras maiúsculas a sua revolta e o seu protesto. É um grito desesperado que precisa ser ouvido. Pessoalmente, não acredito que a maioria dos eleitores do Não acreditem que violência se combate com violência. (…) Votar no Não, ao contrário do que pode parecer à primeira vista, não é defender a violência, mas protestar contra ela.”
Paulo Gustavo, O Olhar da Coruja, 21.10.05
Ao que tudo indica, o que aconteceu foi isso: para uma pergunta mal formulada, num referendo inadequado e inócuo, respondeu-se outra coisa. Aproveitou-se a oportunidade para dar uma dura resposta de protesto. Por esse lado, um referendo inútil no mérito, ganhou sentido às avessas pelo protesto expressivo contra a insegurança em que terminou por se transformar.
Saudado pela imprensa como a maior consulta popular já realizada no mundo por meios eletrônicos, o referendo teve também o mérito, do ponto de vista exclusivamente formal, de ter sido um exercício de democracia direta, o terceiro da história do país (os dois anteriores foram plebiscitos sobre o sistema de governo, um em 1963 e o outro em 1993).
O ideal nas democracias modernas é que mecanismos deste tipo sejam usados com mais freqüência como vem acontecendo nos países europeus, desde que, claro, para questões relevantes e bem formuladas e, não, para equívocos como o ocorrido agora. Quem ainda tiver alguma dúvida acerca da absoluta inadequação do atual referendo deve ler a cristalina coluna de Roberto Pompeu de Toledo, na última página da revista Veja desta semana.
“Discutiram-se durante semanas, com paixão, questões já previamente resolvidas. Tomaram-se partidos que não vinham ao caso. Ninguém, em posição de fazê-lo, se dignou a esclarecer o fato singelo de que o que estava em jogo era nada.”
Roberto Pompeu de Toledo, Veja, 26.10.05
O que, ressaltado pelo resultado do referendo, está de fato em jogo é a questão da insegurança a que todos as pessoas de bem (a grande maioria do país) estão cotidianamente submetidas. A própria revista Veja fez, como reportagem de capa, uma boa matéria com sete soluções para a questão que aflige a cidadania, com o exemplo bem sucedido de Bogotá e o alerta do assessor de segurança da Polícia Nacional colombiana:
“Combate à criminalidade se faz com planejamento, investimento em polícia, presença do Estado nas regiões violentas e participação da sociedade civil. Sem essas medidas, o desarmamento é uma medida inócua.”
Hugo Acero, cientista político, Veja, 26.10.05

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