O referendo, apesar de inútil no mérito, inicia a moderna democracia direta no Brasil


Neste último número da trilogia sobre o referendo “do desarmamento”, vale a pena tecer algumas considerações sobre a importância da consulta como mecanismo de democracia direta. Isso, claro, independente do lamentável mérito desta a que fomos obrigados a nos submeter, conforme destaca o sociólogo da Universidade de São Paulo, Demétrio Magnoli.
“Nunca, na história conhecida, uma nação foi obrigada a responder uma pergunta tão idiota quanto neste referendo.”
Demétrio Magnoli, GloboNews Painel, 29.10.05
Não havia a menor necessidade do país gastar o tempo e o dinheiro que gastou (segundo o professor da UFRS, Denis Rosenfield, mais do que “o governo federal alocou efetivamente à segurança pública”) para responder a uma consulta cujo resultado, qualquer que fosse ele, em praticamente nada afetaria a realidade (já devidamente regulamentada pela Lei 10.826 de 23.12.2003, conhecida como Estatuto do Desarmamento). Sobre esse assunto não precisa perguntar nada a ninguém, basta cumprir a lei. Todavia, perguntar sobre questões, de fato, relevantes é não só desejável como necessário para o aperfeiçoamento da democracia no país. Quando bem utilizados, tanto o referendo (acerca de temas já legislados) quanto o plebiscito (acerca de temas a serem legislados), são ferramentas poderosas de participação popular.
“O referendo, desse modo, poderá ser o começo da transformação que a democracia participativa fará no Brasil.”
Paulo Bonavides, jurista, FSP, 29.10.05
Quanto mais referendos e plebiscitos forem feitos, desde que, claro, sobre temas de fato relevantes, melhor será o nível de desenvolvimento democrático no país.
“Se repetirmos mais vezes o espetáculo de cidadania (…), estamos fundando a escola superior da democracia.”
Paulo Bonavides, jurista, FSP, 29.10.05
Para isso, todavia, essas consultas, além do princípio da relevância devem respeitar, também, o princípio da economicidade. Deste modo, devem coincidir com as eleições regulares, legislativas e executivas, que acontecem a cada dois anos em todo o país.
“Basta contemplar uma periodicidade regular, não-obrigatória, quando, a cada dois ou quatro anos, os cidadãos seriam chamados a decidir, concomitantemente com as eleições, sobre temas específicos.”
Denis Rosenfield, filósofo, FSP, 29.10.05
Se isso for feito com a seriedade que merece, de par com a tecnologia da urna eletrônica desenvolvida pelo Brasil, sem similar no mundo, teremos a excelente oportunidade de aperfeiçoamento do processo democrático com a sistematização da consulta popular direta. A péssima experiência do referendo atual não deve servir de pretexto para não se usar o excelente instrumento da consulta popular direta e relevante.
“Em verdade, com a urna eletrônica, em plena idade da informática, é de todo possível passar da democracia direta de uma cidade, como fora a democracia de Atenas na Grécia, à democracia direta de um país como o nosso de oito milhões e meio de quilômetros quadrados e com mais de cem milhões de eleitores em pleno exercício da cidadania.”
Paulo Bonavides, jurista, FSP, 29.10.05

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