Ao chegar o final do ano, mais do que em qualquer outra época, sentimos a força da divisão do tempo. Uma incrível invenção do gênio humano, como destaca com notável propriedade o grande poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade, em oportuna citação do secretário da Educação do Estado de São Paulo, Gabriel Chalita (Folha de S. Paulo, 14.02.2005):
“Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias,/ a que se deu o nome de ano,/ foi um indivíduo genial./ Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão./ Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos./ Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente.”
Carlos Drummond de Andrade, “O Tempo”
De fato, a natureza marca os dias, com o nascer e o por do sol, e, a grosso modo, o ano, com a volta completa da Terra em sua órbita. A marcação do ano e o calendário preciso com 365 dias mais um a cada 4 anos foram invenções notáveis. Mais impressionante ainda é a invenção da semana e dos meses que, diferentemente do dia e do ano que têm marcações naturais, não possuem nenhuma evidência física que os permita marcar. São puras abstrações que comandam a vida de toda a humanidade e permitem todas as suas outras invenções.
“O tempo é um tecido invisível em que se pode bordar tudo.”
Machado de Assis, “Esaú e Jacó”
No que diz respeito ao Brasil, então, essa máxima se aplica com toda a propriedade. Um país que já avançou muito mas que ainda tem muito o que construir. Muito o que “bordar”. Sobretudo, no que diz respeito ao resgate da enorme dívida social “construída” ao longo da nossa história. A cada ano que “termina” devemos sempre lembrar disso e renovar a esperança e o empenho em melhorar a situação coletiva já que a nossa individual está com ela, mais do que nunca, intimamente implicada.
“O Ano Novo é um desses raros momentos em que nossa vida pessoal fica inexoravelmente entrelaçada com nossa vida conjunta.(…) Um momento propício para lembrar que, se descuidarmos das nossas circunstâncias – nosso mundo, nosso país, nossa época histórica -, são nossas chances pessoais que serão atingidas.”
Dulce Critelli, professora de filosofia da PUC-SP
Por conta, justamente, desta enorme dívida social, a insegurança e a violência têm avançado de forma célere, ameaçando não só nossas realizações pessoais como, cada vez mais, nossa própria integridade física. Muito ainda tem que ser feito e tudo piora com crescimento econômico baixo. Mas, temos a obrigação de torcer e trabalhar por melhoras, sempre com a esperança necessária e os sonhos renovados.
“Um Ano Novo é sempre o marco de um novo tempo. O começo de uma maneira nova de viver. Aponta para os sonhos e as possibilidades que estão por vir, mas que serão apenas ilusões sem nossas ações e nosso empenho.”
Dulce Critelli, professora de filosofia da PUC-SP