Mesmo com os mais justos motivos, não resolve nada apenas abominar os políticos

 
Por incrível que pareça, é verdade. Pelo andar da carruagem, não resta nenhuma dúvida: mesmo depois de todo o lamentável espetáculo do mensalão, nada vai ser feito de concreto para atacar essa verdadeira chaga política nacional que é o caixa dois das campanhas eleitorais.
“É inacreditável que depois da descoberta do valerioduto, das investigações sobre o dimasduto e dos fortes indícios de que todo partido tem um duto eleitoral subterrâneo, não se tenha tratado a sério, enquanto era tempo, do problema do caixa dois nas campanhas eleitorais (…) tudo deve ficar como antes. Partidos e candidatos vão continuar praticando o caixa dois, mas selecionando melhor seus delúbios para não serem flagrados.”
Tereza Cruvinel, O Globo, 02.03.06
Às vésperas de uma nova campanha eleitoral, mais uma vez essa questão vai ficar pendurada, contaminando, por razões óbvias e fartamente ilustradas pela última crise política, o ambiente pós-eleitoral. A coisa é tão séria que torna possível, sem causar nenhum espanto especial, uma frase como a pronunciada pelo secretário-geral do PSDB, admitindo que também houve corrupção no governo de Fernando Henrique Cardoso:
“Não existe um governo honesto por completo.”
Eduardo Paes, deputado pelo RJ, IstoÉ, 08.03.06
Tudo isso só contribui para o descrédito da classe política e, por extensão, dos governos. Não por acaso, os políticos e o Congresso Nacional têm aparecido em todas as pesquisas sobre credibilidade das instituições nos último lugares. Ou seja, como as instituições mais desacreditadas do país. E isso é muito ruim. Os políticos e a classe política são absolutamente indispensáveis nas democracias, em especial numa grande democracia de massa como é o caso da brasileira. Sem a boa representação parlamentar e a adequada conduta dos políticos à frente dos governos, a energia social não flui e fica retida, contaminando o funcionamento da sociedade como um todo. O sentimento de que os políticos todos são desonestos é desastroso para a cidadania.
“Se a gente fica dizendo o tempo todo: ‘a política é suja, a política é mentirosa, os políticos não têm jeito’, está fazendo o quê? Está desarmando a cidadania, fazendo com que ela aceite as piores tiranias, porque o sujeito nivela tudo: nenhum político merece respeito, e a política é uma coisa suja.”
Roberto Romano, filósofo, Primeira Leitura, fev/06
É inegável que, no complexo e exigente sistema político brasileiro, a classe política, com a sua representação nacional à frente, perdeu uma excelente oportunidade de promover mudanças importantes na legislação e na prática que regula a atividade. Todavia, é preciso cuidado redobrado para, sem perder a justa indignação pelo que foi fartamente exposto pela mídia, não resvalar para o terreno fácil e inconseqüente da execração dos políticos e da política. Mesmo combalido pela crise, o papel do Congresso é fundamental para o adequado funcionamento das instituições democráticas.
“Só o Congresso combina alto grau de transparência com a autoridade para impor sansões respaldadas na lei. A imprensa é aberta, mas não é imperativa. A Justiça é imperativa mas não é aberta.”
Bolívar Lamounier, Primeira Leitura, fev/06
Em tese, a resolução desse problema é simples: basta o eleitor prestar toda a atenção em quem está votando e não votar em quem não tenha certeza de que exercerá de forma digna o mandato recebido. Na prática, porém, a teoria é outra. Votar bem também é um aprendizado que, infelizmente, leva tempo para se consolidar. Em outubro teremos mais uma oportunidade para o exercício desse aprendizado. Devemos nos aplicar em fazer bem o dever de casa.

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